quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Viajantes, restaurante e atropelos


Faço as refeições todos os dias no Honeyfall, um restaurante com telhado de folhas de coqueiros e bambu. Desenhos nas paredes: peixes, olhos coloridos, um coração escrito Puri dentro, como tatuagem antiga. A comida e o preço honestos. O dono me deixa dever por algumas horas e também me deve, certas vezes. Mas a conta fica sempre acertada. Fica numa esquina da rua do hotel. É ponto certo de alguns outros turistas, locais e gringos. Forma-se uma familiaridade entre os clientes. 


Um casal de coroas franceses. Ela com a voz bem fina e ele com um chapéu de pescador. Duas indianas, uma com o cabelo bem curto e outra de cabelos castanhos. Sempre cheias de sorrisos. Um argentino, que abandonou o trabalho de contabilidade que tinha com o pai. Está viajando, meses e meses. Depois da India, Tailândia, Indonésia. Depois vai pensar no que fazer.

 “Quando o dinheiro acabar.” Um europeu, senhor, que pede o mesmo café da manhã e que pega o jornal, depois que leio. Toma café, apesar do café indiano ser muito ruim. Um alemão, de Jena, que não gosta do restaurante, mas estava ali conversando com o argentino. Depois encontro ele na praia. Dá aula de yoga na Alemanha. Também faz capoeira angola e fala português. 

Sabe muito sobre a religião hinduista. Vamos andando em ritmo forte pela praia. Ele faz isso quase o dia todo. “Lá para o lado da cidade, as energia são ruins.” Fala sobre os deuses, fala sobre a energia que recebe quando está em contato com a natureza, fala sobre a alimentação correta, sobre Yoga, capoeira, meditação, mistura com inglês, fala da Europa que “não possui boas energias. Só serve para dinheiro”, fala das regras e mais regras da cultura alemã, fala dos indianos que “sugam as energias dos outros. Só estabelecem relação a partir de dinheiro”. 

Em alguns momentos, o vento forte do mar não me deixava escutar direito e era o momento em que tentava absorver algumas daquelas centenas de informações por segundo. Também fala sobre surfe em Bali, ventos, pranchas. Ele também procura outro modo de vida. Quer dar aula, gosta, mas quer fazer isso na Asia, talvez na India, talvez em outro lugar. “O Sri Lanka, Laos, Vietnan, esses lugares são mais bonitos, existe muita natureza ainda.”Precisava de um pouco de silêncio depois de tanto ouvir. Voltei para o hotel, antes, alguns minutos de observação de ondas.


Na despedida de Puri tomei coragem para mergulhar no mar de West Bengal, após bater um papo e ver um tiozão australiano de Melbourne, que viveu 10 anos na India, pular naquela água gelada e suja. Me contou que estava no país após mais de 10 anos sem visitas. Veio sozinho e deixou a mulher triste em casa. Mas ela tinha trabalho e ele...”pouco trabalhei na minha vida. Tive sorte”, respondeu.

Em Puri não colocava os pés há mais de 20 anos. Foi para rever amigos. E quase todos já estavam mortos. Mesmo chateado, disse compreender. “Muitos deles não levaram uma vida muito saudável, além de amizades pouco saudáveis também.”


Comemos umas mexericas e cada um foi para o seu lado. Quando saia da cidade, caminhando, fui atropelado por uma bicicleta. O ciclista  foi para o chão. Todos estavam bem. Andei até a estação de trem e subi no Sri Jagannath Express às 22h30, sentido Kolkata.

KonarÊ!!


Puri está no estado de Orissa, um dos mais pobres da India. É uma das principais cidades sagradas do país, para onde vão os peregrinos. Cidade de Jagarnath, uma forma de Krishna. Os principais templos são fechados para turistas, descobri na marra, andando de um em um.

Então fui para Konark, 35km ao norte. Lá está o templo do Sol. Entrei no ônibus e não cabia no banco. O cobrador ainda do lado de fora gritava: Konarê, Konarê!! E como não há pontos de parada oficiais, ele vai gritando a viagem toda, pendurado na porta.






O trem passou pela praia de Konark e minutos depois desci na entrada do templo. Ao redor, lojas e berracas e resturantes, que cruzei rapidamente, acompanhado por uma fila de estudantes que também chegava para uma visita. Já dentro do complexo, dezenas de estudantes sentados no chão escutavam alguém, que parecia dar um sermão, de mircrofone em punho.


A entrada é cara, 250 rúpias. Um indiano paga 10. É assim na maioria dos templos indianos. O Templo do sol é dedicado ao deus Surya, construído no século XIII. A maior parte do templo é feito de Sandstone na arquitetura denominada Orissan. É considerado um dos principais templos da India.



Suas paredes, assim como Kajuraho, possuem esculturas eróticas. Mas o templo principal é muito maior. São cerca de 30 metros, rodeado por construções menores e um jardim simples, mas bem cuidado, onde garças curiosas chegam perto dos visitantes, atrás de comida. 



Quem resolve não pagar, pode circular ao redor do templo, pelo muro. Gastei algumas horas no lugar e tornei-me um possível empresário ao conhecer um senhor indiano que festejou quando eu disse ser do Brasil. “As relações comerciais entre India e Brasil estão muito boas”, disse, me entregando um cartão.”Trabalho para um grupo que movimentou mais de um bilhão de dólares no ano passado”, reiterou.

Após os negócios, no caminho para a saída, conheci um inglesa. Dançarina, estuda e ensina dança clássica indiana. Ficará 6 meses no país em aulas e festivais. Almoçamos, enquanto ela me explicava as tradições e histórias da dança indiana e as dificuldades em viver artisticamente em Londres. Também aproveitei para pegar uma dicas sobre Varanasi, o próximo destino. Caminhamos até a praia, pela beira da estrada que passa por um santuário ecológico. Percebi que a melhor parte de Puri é Konark.

Com preguiça de voltar andando e atrasado para o último ônibus para voltar, pegamos um rickshaw. Nos despedimos e pulei no ônibus, completamente lotado. Nos primeiros minutos, resmungava a cada parada e tentativa o cobrador em enfiar mais gente no veículo. Aos poucos entrei num transe e só acordei quando o motorista freou na parada final. Andei rápido para o hotel, pelo caminho que já conhecia do dia anterior.


Puri é repleta de casarões antigos e empreendimentos comerciais abandonados. A impressão é que por ser uma cidade de peregrinos, tentou-se criar uma infra estrutura para receber ainda mais turistas, mas por falta de projeto ou de turistas, tudo ficou pelo caminho. Jantei, comprei água e frutas

Puri, mas nem tanto


O trem parou em Puri às quatro e tanto da madrugada do dia 16. Na plataforma, um senhor me ofereceu os serviços de rickshaw e 5 minutos depois percebi que era uma bike rickshaw, que ainda não tinha usado na viagem, por achar meio cruel. E é. Com minhas mochilas, devo pesar mais de 115kg, certamente, apesar de já ter deixado muitos quilos pelo caminho.

 O senhor do rickshaw não devia pesar 60. Além disso, existem obstáculos no meio do caminho. Num percurso que faria a pé, com mochilas, em 20min, levamos uma meia hora e tive que pular para fora do veículo em alguns momentos para ajudá-lo a empurrar a bicicleta com minhas malas.

Tinha pesquisado dois lugares para tentar ficar. Mas de madrugada aceitei a sugestão do tio e cheguei ao Durga Lodge, um predinho verde meio fedido. Preço acertado, derrubei as malas no quarto e dormi algumas horas.

O cômodo é no térreo e grande, paredes amarelas de roda pé de azulejo. O banheiro tem luz vermelha e assento indiano. A pia é do lado de fora. Mas a torneira do lado de dentro pinga o tempo todo. Ainda há uma porta e uma janela para um corredor atrás. Janela que enquanto estava escrevendo, pulou um macaco e pegou a sacola de casca de banana que separei pras vacas. Olhou pra mim e subiu no telhado do vizinho. Macaco folgado.

O cheiro não invadia o quarto, mas batia na porta. E de manhã estava mais forte. O lodge fica em frente a um terreno com um esqueleto de um prédio. E terreno vazio na India vira lixão e banheiro. O sol levanta o odor.


A praia é bem bonita de longe e vai enfeiando na aproximação. A sujeira é a responsável. Na beirada da areia, uma vila de pescadores. Na areia, o depósito de lixo, assim, num canto grande. Mas o mar é bonito, forte, enérgico, mesmo quando está sem ondas. Menos de 100m, na água, os barcos de madeira, com as hélices apoiadas por uma longa haste de metal.


Quando estão na areia, os barcos ajudam a formar um quadro. Todos perfilados, à frente, a espuma e a mareia, atrás, os casebres de bambu e bandeiras hasteadas. De perto, cada barco estacionado serve como “casinha”. A vila usa a areia como banheiro. Crianças, de cócoras, lado a lado, conversam, enquanto os amigos jogam críquete. Adultos, homens e mulheres, lado a lado.

Quando os barcos chegam do trabalho, grupos se aglomeram ao redor. Mulheres, com suas bacias prateadas e um pano enrolado na cabeça, ficam agachadas e aguardam sua vez para pegar a mercadoria. Aos poucos, enchem as bacias com alguns peixes grandes e as colocam na cabeça. Nas ruas, vi mais mulheres do que homens, na venda do pescado. Crianças pedem canetas, chocolates ou dinheiro e jovens oferecem-se como guias.
E os pescadores oferecem...fumo.

Ótima qualidade. Você fuma e Shiva vem até você”, um disse. Alguns passos adiante, “É muito bom, da região de Kerala. Eu fumo quando estou com frio, antes de ir pra o mar. Passa na hora”, outro falou.


Nas areias de Puri, as oferendas (pujas) também ajudam a estragar o ambiente. Um córrego de água escura e fétida deságua completa o cenário. As consequências estão alguns metros adiante. Encontrei quatro tartarugas mortas. Uma delas era alimento de cachorros e corvos.




Na área de maior movimento da praia de Puri, um mercado na areia. Muitas lonas cheias de brinquedos coloridos enfeitiçando as crianças. As inúmeras barracas de comida e bijuterias. Camelos e cavalos trabalham duro na areia, carregando mães e suas crianças chorosas, enquanto o pai corre para fotografar. Famílias banham-se de roupa e fazem poses para fotos. Atrás da praia, hotéis, restaurantes e lojas estão amontoadas.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Taxis amarelos e ônibus coloridos


Como em São Paulo, o metro de Kolkata tem os chãos bem mais limpos que a rua. Mas não como na capital paulista, o bilhete é barato: 4 rúpias, o que deve dar uns 1,5 centavos de reais. Longe do metro, caminhei pela esplanada, que me lembrou Brasília, de verdade. Entre grandes campos de grama seca e árvores, o forte William, que era coração militar da Inglaterra na India e hoje é o quartel general do exército indiano. 


Nas avenidas largas cortam a esplanada, grupos de taxis amarelos Ambassador e os ônibus coloridos Ashok Leylam e Tata. No parque Maidan, fontes, lagos e chafarizes, rodeados por vendedores. Nos gramados, jovens treinam críquete com suas roupas brancas.


Comi pelas ruas. Guardei por algum tempo os copos de chai feitos de barro, descartáveis. Me empanturrei de samosa. Kachori, noodles, Paratha, frutas, cereiais, pequenos salgados. A quantidade de comida nas ruas é impressionante. Uma do lado da outra, com seus fogões toscos de metal e carvão, as lonas coloridas, as panelas amassadas. fiquei pensando no quanto perdem os viajantes que seguem as regras dos guias de viagens. A mensagem é clara. Se está escrito guia, não é para segui-lo.


Enquanto bebiamos e fumávamos em um dos pátios do Paragon, um filhote de gato amarelo brincava com um camundongo, que desesperado, corria de um lado para o outro, trombando nos nossos pés e se escondendo nos vasos de plantas murchas. Em um pequeno vaso na mureta da sacada, uma muda de erva ganhava força. Na hora de dormir, o barulho tentador da metrópole, com seus berros, risadas, música e buzinas em dezenas de planos e tons.

Sacrifícios e jardins ingleses


Em frente ao Victoria Memorial, palácio com uma leve aparência de Congresso Norte Americano, ao lado do Maidan Parque, com jardim e lagos ao melhor estilo europeu, uma escultura de Aurobindo, um dos heróis da independência. É a provocação indiana, com sutileza.


Dentro do memorial, fotos, objetos, documentos, livros, pinturas e outros artefatos sobre o período inglês e a reconquista da independência indiana. As armas expostas fazem lembrar que não foi um processo tranquilo como parece no discurso da rainha Vitória, nas paredes do prédio.

Nas paredes da Catedral de Saint Paul's (sim, eles fizeram uma aqui também), lápides recordam colonizadores mortos am terra indiana. Revoltas, emboscadas e outros tipos de mortes violentas estão descritas abaixo dos nomes. A Saint Paul de Kolkata é gratuita e possui um esquema engenhoso de ventiladores, que por meio de canos, descem pelo teto até chegar próximo às cabeças dos fieis.

Não visitava um planetário desde a época de escola. E depois de conhecer o Birla planetarium, em Kolkata, pensei se as escolas ainda levam os alunos para esses passeios. É fascinante. E acho que dependendo da pessoa, pode ser desesperador. Outro motivo para conhecer.

O Birla tem sessões de meia hora em inglês, Hindi e Bengali, o dialeto falado na região. Um busto de Yuri Gagarin em frente ao planetário, em funcionamento desde 1962, lembra quem ganhou a corrida. A máquina de lentes e luzes usada foi feita na Alemanha, pela Carl and Zeiss.

Kolkata é a cidade mais ocidental da India, segundo quem conhece bem. Mas mesmo para um novato é fácil perceber isso. Além da influência inglesa, existe uma forte presença muçulmana, visível no comércio e claro, nos rosto das pessoas: homens com suas longas barbas e seus turbantes ou tarbushs e mulheres com véus e seus rostos escondidos.

No Millenium Park, um grupo de pequenas praças tristes em frente ao rio Hooghly, casais namoram sentados ao pé das árvores. Outros, nos bancos de frente ao rio. Muitos usam guarda-chuvas para evitar o sol e a curiosidade alheia. Poucos se beijam e quando o fazem, atraem olhares. Meninas e meninos andam em grupos separados. Existe pouca interação. Na India, amigos andam de mãos dadas e mulheres evitam olho no olho.

Em Kalinghat, o templo de Kali é uma das principais atrações. Sendo assim, um enorme comércio foi instalado ao redor e também dentro do templo. O bairro em volta é pobre e colorido. Ali está a casa onde morou Madre Tereza.

Kali é a deusa da morte e da destruição. Em um dos locais, animais, principalmente cabritos, são sacrificados. O sangue escorre pelo chão. Um jovem que nega ser guia, me guia pelo local. Filas se formam para pedir e agradecer à deusa. Sinos badalam para Kali ouvir. O guia dá duas voltas no mesmo local e repete as mesmas frases decoradas. Um grupo de moradores de rua é alimentado ao lado. Prefiro ir embora e o guia só aceita meu dinheiro longe do templo, na hipocrisia religiosa. E aceita de cara amarrada. Queria mais.


Duas ruas depois do templo, ser turista é uma atração. As pessoas param para me olhar fotografando. Um homem se aproxima e me explica o cartaz para onde a lente aponta. É um chamado para uma manifestação do partido comunista da India, que, segundo ele, é o maior do país. Explica que manifestações como essa podem ter 400 mil pessoas.

Bem menor, foi a manifestação que vi em uma das ruas do centro, numa espécie de 25 de março com Santa Ifigênia. Algumas dezenas de homens gritavam palavras de protesto (em Hindi), empunhavam bandeiras do país e um deles, com os cabelos pintados de acajur, era celebrado a cada frase. 




A polícia aguardava. Já tinham delimitado o espaço. Se avançassem dali...
Me aproximei para fotografar e logo um dos manifestantes se empolgou e esticou uma faixa na minha direção. Protestavam contra a violência policial.

Um minuto depois, outro quis saber se eu era da imprensa e quando disse que não, o tempo fechou e outros gritavam para eu parar de fotografar.
No caminho, reparei que as bicicletas rickshaws não são populares. Em seu lugar, homens carregam pessoas com suas pernas, sem ajuda de rodas ou motor. Kolkata também possui train, o bonde moderno.

Lembre-se...


Lembre-se: Você escolheu essa vida...e esse quarto. Está escrito na parede do quarto no hotel Paragon, onde me instalei, na rua Stuart Lane, em Kolkata, que tinha um nome mais bonito antes, Calcutá.


É um 2m x 1,5m, com a pintura verde claro que descasca pela umidade e mais centenas de mensagens e desenhos de viajantes que estiveram por aqui. Muita coisa oriental, com seus alfabetos de “riscos”e rostos e corpos na linha mangá.

E o hotel é quase todo assim. Descascado e úmido. As pombas dominam as dobras e a parapeitos. Entulhos, roupas, garrafas de plástico e de vidro, restos de propaganda de refrigerante. São dois andares. Um quarto atrás do outro. O meu é o 21 e fica perto da entrada, onde sempre fica um velho homem, que lê jornal e conserta fusíveis e fala pouco.

Europeus e asiáticos são a maioria. Uma família, com seus dois filhos pequenos está há alguns dias. Eles parecem não sair do hotel.
Aproveito o varal e lavo algumas roupas, sempre depois do banho. No meio da tarde já estão secas.

Em um dos pátios internos do Paragon conheci uma turma. No primeiro dia, Peter, um húngaro que trabalhava com mercado financeiro e largou para viajar pela Ásia. Saímos para fotografar o centro. Na verdade, caminhamos até o Indian Coffee House, um café no primeiro andar de um prédio na rua próxima à Universidade de Calcutá onde centenas de barracas vendem livros. Bandeiras com um tigre e a foice o martelo enfeitam a região. Os comunistas governaram o estado de West Bengal por mais de 30 anos. Hoje fazem oposição.


O Indian Coffe House é o lugar onde intelectuais e revolucionários indianos se encontravam. É bem cheio e possui alguns quadros e uma foto grande de Rabindranath Tagore, pensador indiano (Bengali), ganhador do nobel de literatura. O café é ruim e barato e os garçons, com uniformes engraçados, são mal humorados.


Antes, já havia caminhado pelas redondezas e visto o Great Eastern Hotel, aos pedaços. O lugar foi palco das recepções de estadistas e celebridades no início e meados do século passado. Li que Mark Twain e Kipling ficaram lá.
Kolkata é gigante. São mais de 20 milhões de pessoas. E cidades grandes, geralmente, não têm tempo para te acolher bem. Mas depois, logo depois, se rolar um esforço, tornam-se instigantes e atraentes.

As linhas são inglesas. Os prédios, palácios, as largas ruas, as praças e parques. Calcutá foi a capital das Indias britânicas. Foi o lugar onde os colonizadores escolheram para comandar. E uma das atividades é passear e ver como os indianos desvirtuaram toda essa ordem britânica. Nas grandes e largas avenidas, buzinas e mais buzinas, carros e ônibus acelerando em freando bruscamente, dúzias de policiais tranquilos, vestidos de branco e regendo a bagunça. Os palácios com suas belezas esquecidas, tornam-se aos poucos, base para raízes e arbustos, que formam novos tipos de atração.

É isso que faz tantos europeus, ou outros cidadãos de países ricos entrarem numas, na India. Após nascer e viver em um lugar cheio de regras e silêncio, ver de perto o barulho e o despreendimento com certas convenções é desconcertante e prazeroso. Uma experiência libertadora, de alguns meses, está certo. Mas tem gente que não sai mais daqui.

Conheci um deles na volta ao hotel. Um tipo riponga europeu, que vive há 27 anos na India. Os anos não lhe tiraram a arrogância europeia. Em poucos minutos ele quase estragou meu barato, enquanto fumava o famoso Malana Cream num Chillum, o pipe usado pelos Sadhus, os homens santos, oferecido por um indiano que vive na França, e sua namorada japonesa. Às tardes, um coroa com cara de escocês e cabelos e barbas longas, toca violino.

Gaya


Sai de Bodhgaya pela manhã. Em um dos rickshaws malandros, dividi com uma mulher. Ela foi uma das únicas indianas a puxar papo comigo, tirando as comerciantes. Mas ela só falava hindi. Respondi tudo com yes e sorrisos. 

Cheguei em Gaya, que é feia e barulhenta. Para piorar, era segunda-feira e parecia que todos estavam de mau humor por isso. Entrei no clima e sobrou pro sujeito que tentou passar na minha frente na fila da estação.

De trem estava complicado. Fui atrás de um ônibus. Encontrei e achei que tinha feito um bom negócio, pagando 480 rúpias por uma cabine dupla. Horas depois, quando cheguei no ônibus, descobri que havia comprado só dois acentos e que dois ainda eram mirrados pra mim e a mochila.

Passei o tempo num cyber café caro e cheio de moleque falando alto. No almoço, um restaurante que usava o cardápio de um hotel que não vi em lugar algum. Era a única parte em inglês. Tudo em hindi. Fui no mix de vegetais, arroz e chapati. Melhor não inventar quando se vai pegar um ônibus sem banheiro por 12h. O dono falava alto, mas não dava para perceber se era bronca ou jeito. O local possui umas vinte mesas, algumas todas em madeira, outras com tampo de pedra. Bancos ou cadeiras de plástico. As paredes, metade marrom, metade creme. Um cara cozinha num fogão instalado na frente do restaurante, já na calçada. Mas acho que não faz parte do staff. Ventiladores velhos e sujos, desligados, no teto. As pessoas comem rápido, com as mãos. E mosquitos me enchendo o saco.

Acabo de me alimentar e ainda fico enrolando com o livro. Está quente e nao tenho para onde ir com a mala de 20kg. Decido ir para outro cyber café pegar informações sobre Kolkata.

Às 17h, subi no ônibus e sentei ao lado da mochila. Poltronas 13 e 14. Escutava Fussing and Fighting. Acenei para Gaya e dizendo que não sentiria saudade.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Tarde no templo

Último dia em Bodhgaya. Fui para o Mahabodhi temple e fiquei lá por umas horas, no meio da tarde. Caminhei pelo jardim, tirei as meias encardidas e vi os budistas orando em pleno domingo. O templo cheio. Em pé, sentados ou andando pelo jardim, entoavam mantras, com os malas, aqueles cordões de com 108 sementes, ou com o Prayer Wheel,  que giram enquanto... "Om Mani Padme Hum".

Sentei de pernas cruzadas em um dos lados do jardim, em um lugar cimentado. Em tentativa de imitar os monges ali por perto. Logo apareceu um grupo, de umas 50, 60 pessoas, todas de branco. Sentaram-se ao meu redor. Budistas do Sri Lanka. Uma mulher perguntou minha origem. - Brasil, respondi. Ela emendou: "Então você fala alemão?"

A tarde caiu e o grupo repetia os mantras declamados por um líder, de microfone na mão e igualmente sentado. Um som meio calmante, que ornava com a vista do templo, iluminado pelos raios laranjas do sol, repleto de periquitos, pombas e outras aves nas suas dobras, cantos e beiradas. Alguns esquilos de cauda listrada, o bicho mas rápido que já vi, também se aventuravam nas alturas. Dois cachorros encostaram do meu lado.

Os monges ganharam alguns trocados, distribuídos por outro monge e uma mulher, com maços de notas de 10 rúpias nas mãos. Os monges distribuíram sacos com alimentos para famílias e quatro meninas esticavam a mão e pediam frutas à uma mulher que devia ser monge também.  Asiática, com o cabelo raspado. Paciente, ofereceu as frutas e ainda recolheu as cascas e restos já que o quarteto comia ali mesmo. A monge pediu silêncio e as meninas foram embora sem agradecer.

Na India, quando o papo é com os turistas laranja é orange. mexirica também. Alguns monges, sentados de pernas cruzadas, parecem estar em transe, enquanto balançam levemente seus corpos para os lados. Mesmo quando há uma turma conversando por perto, ou cachorros latindo e fazendo arruaça.
Qual a sensação? Barato bom?

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Bodhgaya



A placa diz que foi em Bodhgaya, no século 6 AC, que Sidarta Gautama tornou-se Buda. A cidade é considerada o principal ponto de peregrinação budista do mundo.

É assim que a pequena cidade vive hoje, do turismo religioso. Monasterios budistas de vários países estão sediados na região, ao sul do estado de Bihar. O principal e maior templo em sua homenagem, o Mahabodhi, construído no século 6 e passou por uma série de reformas ao longo da história. Até os ingleses meteram a mão ali.


Contornando o Mahabodhi, um caminho de mármore branco, onde as pessoas dão voltas enquanto oram. O chão é mantido limpo. Enquanto estive lá, as pessoas não deixavam nem uma folha seca no piso. Pegavam, como se fosse um presente. Acho que talvez seja.

Ao redor do templo, um grande jardim, repleto de pequenos templos e grandes árvores. Nos espaços entre eles, mesas de madeira próximas ao solo, apoiadas por alguns tijolos. Nelas, budistas praticavam um tipo de oração misturada com exercício. Uma espécie de flexão de braços. Todas as mesas, quando deixam de ser usadas, são cobertas por uma lona, com cuidado. E cachorros, muitos. Um deles, filhote, se aninhou em minhas pernas enquanto observava, sentado, o Mahabodhi. Em alguns pontos do jardim, placas indicam locais onde Buda realizou períodos de meditação.


Por dentro, a construção é simples. Um altar com um escultura de Buda, com os cabelos azuis, os olhos brilhantes e semi cerrados e uma roupa laranja, também brilhosa. Alguns sentados no chão, rezando. A maioria passa rápido, com uma pequena prece, alguns sinais e oferendas exibidas, mas colocadas do lado de fora.

Embaixo de uma árvore, atrás do templo, diante do local onde teria ocorrido a iluminação, um velho monge conversa, microfone na mão, com um grupo. Todos sentados no chão. O papo parece ser bom, pois risadas não faltam.
Pelas ruas, monges e budistas e parentes de monges, em visita, se misturam à população, a maioria com feições indianas e nepalesas (tibetanas...).

 Mas o turismo interno é ainda maior. Ônibus não param de chegar e buscar vagas nos cantos e terrenos enlameados da cidade. O comércio é aquecido. Dezenas de barracas estão enfileiradas pela rua principal: artigos religisos, estátuas, esculturas, roupas, bolsas, cobertores, panos, almofadas para meditação, objetos para a casa, pequenos eltrodomésticos, comida, brinquedos, bijuterias, facas e até uma banca de mágicas.


No murado parque Jay Prakash, um jardim que possui mais cara de India e menos Inglaterra. Algumas roseiras estão ali, cercadas, mas a maior parte do terreno é composta por grandes e médias árvores, com bancos onde casais estão menos tímidos e mais protegidos do público e das regras. Cachorros se espreguiçam ao sol e esquilos ameaçam chegar perto e depois somem em alta velocidade.


No monasterio tibetano, moleques desatentos tinham aula com um monge. Em se incomodar, ele continuava as orações, com o auxilio de um dos meninos, que batia no tambor, vez ou outra. Eu atrapalhava mais um pouco, com os clicks da máquina. Muitas cores e desenhos sobre a história de Buda, antes e depois da iluminação. Uma estátua dourada e adornos de flor nos pilares e nas paredes. Quando sai, dois meninos andavam de bicicleta, enquanto um cachorro com a cara pintada me pedia carinho e o seu amigo, filhotão, mordia minha canela.





Em um outro templo, um grupo ganhava o almoço. Adultos, idosos e crianças sentadas no chão. Eles comem em uma espécie de folha de árvore grande e um pouco seca. A comida é farta. Qualquer um pode chegar e comer. 

Uma bagunça se forma na minha frente quando começo a fotografar umas crianças. Todas aparecem e querem aparecer ainda mais. Pulam na frente da máquina e comemoram quando se veem na tela. Também fotografo um senhor, que anota seu endereço para que eu mande as fotos. Pede meu e-mail para quando puder sentar na frente do computador, me escrever. Jovens se aproximam para tentar levar uma grana como guias. Ele os afasta e conversamos até que a fome bate e encosto num restaurante no subsolo de um prédio. Dal de espinafre, omelete e arroz. Um suco engarrafado de manga pela Coca Cola, Maaza. 

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Chegada a Bodhgaya


Para chegar a Bodhgaya, resolvi usar avião, já que só teria trem em Kajuraho no dia 8 à noite. Comprei uma passagem para Varanasi e de lá, um trem para Gaya e Bodhgaya, um rickshaw depois.  Sai do hotel em Kajuraho e decidi caminhar até o aeroporto, a quatro quilômetros dali. Após uma indicação errada de um menino numa bicicleta, cheguei na frente de um grande hotel onde dois motoristas de bike rickshaw aguardavam clientes. 

A dupla logo veio falar comigo. Perguntei o preço até o aeroporto, já que faltava menos de uma hora para o check in. Foi o começo da briga. Barganhei e acertei um valor, mas os dois já discutiam quem iria me levar, num arranca-rabo nervoso. Cada um puxou sua bicicleta para perto de mim e gritavam. Mandei os dois à merda e decidi ir andando. O mais jovem ainda me seguiu por um bom tempo, pedindo, de quando em quando, para eu subir no rickshaw. Depois desistiu.

Quando cheguei no terminal entendi porque aquela pequena cidade já tinha um aeroporto (e constrói um novo terminal)Um grupo grande de senhores e senhoras, entre italianos (euros), norte-americanos (dólares), israelenses (dólares, euros e muito mais...), entre outros, aguardava na fila para a revista.
Esqueci de guardar meu canivete, que logo virou souvenir para o guarda bigodudo que fingiu estar tenso por revistar minha mala, após o raio X apitar. Fechou a cara e guardou o presente na sua gaveta.


Kajuraho é mais bonita do céu. O vilarejo logo some entre as plantações verdes, os terrenos secos, os pequenos canais de irrigação, as colinas amareladas e cheias de pedras. Cochilei e babei na camiseta, enquanto lia sobre as livrarias de San Francisco. O avião pousou no aeroporto longínquo e moderno (mais de 20km) de Varanasi. Branco, brilhoso e envidraçado como quase todos os novos aeroportos que já vi. Um grande quadro de buda de um lado, uma pintura das margens da Ganga do outro. Sol e poeira do lado de fora. Decidi esperar mais um pouco, antes de seguir para a estação, já que o trem partiria apenas 21h. Ainda eram 15h.

Sai do aeroporto e em meia hora estava na Varanasi Junction. Logo de cara, não fui muito coma cidade. Ainda foi só flerte, mas com o pé atrás para o retorno. Ainda levei uma escarrada na mochila, que o filho da puta deve ter perdido meio litro. Filho da puta. A estação é feia. Parece uma prisão, escura, cheia de grades. O hall é pequeno e as pessoas, centenas delas, se acomodam no chão, aguardando as informações no letreiro. 

Ainda tinha mais de uma hora até o trem. Fui a um restaurante e mais uma vez vi que o comerciante indiano fica puto e não esconde isso quando você consome coisas baratas.  Pedi um mix de vegetais e um arroz simples. O arroz veio gelado. O preço era pouco, comi, paguei e fui embora. Aguardei na plataforma até o trem parar, com cerca de uma hora e meia de atraso. Era melhor, assim chegava mais tarde em Gaya e ficaria menos tempo na estação até conseguir um rickshaw para Bodhgaya.

A viagem foi tranquila e quando o trem se aproximava, vi que o cara no banco da frente era gringo. Puxei papo e ele ia para Bodhgaya também. Um coroa com nome mais norte-americano possível, Doug. Ele trabalha há mais de 20 anos entre India e EUA, em um instituto. Era minha carona até Bodhgaya. Ao chergarmos na rua, vi que 2h30 da madrugada não desanima Gaya. Calçadas tomadas de comércio a todo vapor. não faltavam rickshaws para os ceca de 10km até a pequena cidade. Mas a carona foi mantida. 

O carro estava silencioso e evitei (com muito sacrifício) falar muito. Umas três, quatro perguntas e já estava na frente de um guest house, indicação do assistente indiano de Doug. 

Acordei cedo e fui para rua tentar encontrar um lugar mais barato do que as 400 rupias que me pediram. Encontrei um turista de Hong Kong. Caminhamos um pouco e ele me deu algumas dicas sobre a cidade. As possibilidades de ficar em quartos nos próprios templos. Existem templos de diversas nações que têm o budismo como umas das principais religiões: China, Tibet, Butão, Taiwan, Japão...



Também me mostrou onde ficam os principais templos. Agradeci e encostei num cyber café, onde estou agora. Ao meu lado, dois jovens monges navegam no cyber espaço. Um joga e o outro, no you tube.


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Kajuraho tem até canguru perneta


Kajuraho nem parece que é uma cidade que recebe tantos turistas. Como também não parece que um dia foi a capital de uma dinastia. Talvez não parecer seja um dos pontos positivos do lugar, acanhado, ensolarado e cheio de pássaros. Em poucos minutos é possível caminhar pela área central e logo dá para avistar campos e plantações.

A cidade, no norte do estado de Madhyar Pradesh, área central da India, tem no passado os Chandela, uma dinastia dos Rajput que controlou a região por dois séculos (10 a 12). Eles tinham como crença o tantrismo, religião que teria desaparecdio junto com a dinastia. Mas suas marcas reapareceram no século passado e são elas que fazem Kajuraho ser um grande ponto turístico indiano. É na cidade que estão os templos religiosos com esculturas eróticas.


Quando cheguei aqui, tinha a impressão que iria encontrar o Kama Sutra esculpido em Sand Stone. A ideia reforçada pelos vendedores que ficam de fora dos templos, oferecendo livros de fotografia da cidade e edições do Kama Sutra. Mas não, toda aquela variedade que o milenar livro oferece não está presente em Kajuraho. Mas é possível observar interessantes posicionamentos, podemos dizer. Devido ao tempo (falamos de no mínimo 700 anos), algumas esculturas perderam partes, o que provoca até mesmo a alteração das práticas sexuais. O que poderia ser um colinho, por exemplo, vira um canguru perneta e assim vai.



As boas e velhas, põe velhas nisso, também estão lá. Se você procurar bem, como eu fiz, vai ver que sexo com cavalo não é coisa de filme pornô bizarro. Já estava, pelo menos, na cabeça do homem, há muitas gerações. No meio, esculturas de outras atividades comuns, como trabalhos no campo, bandas, danças, animais, soldados. As divindades, como Shiva, Vishnu, Ganesh, entre outras, ganham destaque. São as maiores esculturas, já que os templos foram construídos para sua devoção. 

E é bonito. A Sand Stone é uma pedra em tom amarelado escuro, mas que clareou com o contato do sol. Dentro dos templos, onde não existem esculturas eróticas, a pedra é escura e com uma textura que parece estar sempre úmida. A arquitetura é complexa, cheia de desenhos, tribais e muitos detalhes, em meio às esculturas.

São alguns conjuntos de templos pela cidade. Fui apenas ao western temple, o principal. No passado, foram 85 templos, cada um com seu lago. Hoje, segundo dados oficiais, cerca de 20 e poucos estão lá. Mas também caminhei um pouco para fora da cidade e pude conhecer outros três templos, com ajuda de Hari, um guia que disse odiar a cidade e que espera os turistas para mostrar “a vida indiana real”, na área rural de Kajuraho.



Conheci o templo mais antigo da região, de 900 anos atrás. É chamado 64 yoginis. Uma construção de granito, trazido das montanhas ao redor de Kajuraho. As Yoginis são as as mulheres mestres em Yoga. O templo consiste em 64 pequenos comodos, em pedra, um para cada yogini, em homenagem às deusas da mitologia, Lakshmi, Durga, Parvati, Kali, a principal, e mais 60 delas, que não sei o nome. Segundo o guia. Elas viviam nesses cubículos e toda manhã, se dirigiam ao centro do templo, que não tem teto, para praticar Yoga e meditação.

 Hoje, ele diz que o local ainda é segrado e muitas cerimônias continuam a acontecer. “Na noite anterior houve uma cerimônia”, me disse, apontando cinzas de uma fogueira e restos de velas no centro do local. Ali, se gunco ele, acontecem as pujas, que são esses rituais de devoção e agradecimento às divindades. Do lado de fora, perto de restos de outro templo, vi anéis, pulseiras, flores e outros presentes espalhados pela grama baixa e seca.


Arrumo minha mochila para próxima etapa da viagem.  Vou para Bodhgaya, ver os primórdios do budismo.



terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Wich country?


Acho que tem sido o principal exercício. Para alguém que fala pouco e ainda menos quando é perguntado, viajar para India é um desafio. O povo indiano é curioso e gosta de falar. Os homens e as crianças. As mulheres, por questões culturais e religiosas, não abrem a boca e mal olham para turistas.

 A primeira pergunta é de onde você vem. Depois, seu nome, se está gostando da India, daí começa a curiosidade. Onde você está hospedado? Quantos dias vai ficar na cidade? No país? É casado? Solteiro? Que livro você está lendo? O que está fotografando? Isso muitas vezes, é levado pelos turistas, como um jeito de malandragem do povo daqui. Mas acho que na maior parte do tempo não é. Apenas o jeito pouco formal deles.

Uma diferença brutal em relação à europa é o olhar. No velho continente, por exemplo, um flerte despretensioso pode ser considerado ofensa e falta de educação. Um canto de olho ou um pescoço comprido podendo gerar confusão.

Já o indiano para e olha. E pode fazer isso de longe, ou de muito perto. Na rua, ou em qualquer lugar. Sem discrição ou embaraço. Se o olhar não for suficiente, um celular sairá do bolso para uma foto roubada, ou um pedido para pose também pode acontecer.

Bom saber que não é você só que olha para um lugar quando o visita. Ele também olha para você. E pode até te pedir uma sorridente foto.

Diário: Missão Kajuraho



Kajuraho é a cidade onde estão os templos dedicados ao Kama Sutra. E para lá fui. Segui as dicas do cara que fazia as reservas de taxi no camp de Khumb Mela. E ai...

4/2/2013 – 7h40
Estou sentado em um banco de metal na estação de trem Allahabad Junction. Saí 6h20 do acampamento no Khumb Mela, de taxi. Comprei uma passagem de segunda classe e vou para Mahoba, ainda em Uttar Pradesh, sentido sul. Lá troco de trem para Kajuraho, que já fica em Madhya Pradesh. Pretendo chegar ainda hoje, no começo da noite. A luz do dia entra pelas grandes e curvelíneas janelas acima do salão, onde muitos estão sentados em bancos de metal. Esperam seus trens. Ao fundo, na avenida, uma imensa placa da Coca Cola.

4/2/2013 – 15h40
Desço em Mahoba. Está quente e a estação é cheia de moscas. A cidade parece ser pequena e humilde. Compro a passagem para Kajuraho, marcada para às 18h. Tento adquirir um jornal indiano onde aparece uma foto em que estou, para guardar de recordação. Mas não acho. Não me empolgo em fazer uma expedição no local, com mala nas costas. Não há lugar para guardar mochilas. Caminho pela estação. Já sentei em alguns bancos, fugindo das moscas. Um dos bezerros come um aviso que estava no mural. Um trem de carga sem carga cruza a estação e para por algum tempo, na plataforma 2. Deve ter quase um quilometro de vagões azuis, alguns poucos vermelhos. Começa a chover e os corvos desconfiados se agitam em uma árvore.

4/2/2013 – 17h30
O trem vai atrasar. Anoitece e ainda não sei que horas chegarei em Kajuraho. Não tenho lugar marcado para dormir por lá. Mas acho que devo chegar umas 22h.

5/2/2013 – 1h43
Após atraso de 7h30, o trem para Kajuraho chega e rápido sai. Estou em um dos primeiros vagões. Poucas pessoas estão nele. Alguns homens e uns idosos. Sento perto da porta, aberta, e de uma janela. Nas últimas horas em Mahoba, o frio apertou. Fui para dentro da sala de espera. Um trio coreano, um homem e duas mulheres aguardava trem para Varanasi. Converso com eles. Me dão dicas sobre Kajuraho e me alertam sobre os cuidados no trem. Estão um pouco assustados. A chuva ficou forte e a sala foi tomada. A luz caiu, voltou e caiu de vez. Lanternas e celulares fazem a iluminação. Um jovem indiano se exibe com músicas altas no celular. Cantarola e gesticula. Muitos esticaram cobertores no chão para dormir. Me encostei numa cadeira, com minhas mochilas. Cochilei por momentos. Cada vez que abria os olhos, mais gente. No início da madrugada, um grande grupo asiático chega e completa o espaço restante. Tiro o cobertor da mochila e logo o trem chega.

5/2/2013 – 4h20

Chego ao hotel Lotus India e, apesar do mal humor do funcionário, fecho um quarto e subo. Quem me deu a dica foi um indiano que puxou papo na estação, quando chegamos. Ele e seus amigos chamaram um rickshaw para buscá-los, pois não havia ninguém quando o trem chegou. Me ofereceram carona e paguei 60 rupias até o tal hotel. Chove forte. Decido usar o dia seguinte para organizar a viagem, caso haja energia elétrica durante o dia, pois quando chego não há. Se antes, pensava em ir ao pé do Himalaia, em Darjeeling, agora mudo os planos. Antes de Varanasi, para a segunda parte do camp (e fim da viagem), decido ir até Calcutá, do lado leste da India. Antes disso, Kajuraho e Budhgaya.
Foram 22h para andar menos de 500km.

Algum tempo no acampamento


Decidi participar do acampamento de forma mais concreta, nos meus quatro dias de reserva. Entrar no clima, na medida do possível e não ficar apenas como observador. Observar e experimentar possibilidades de conexões físicas e espirituais, que ao meu ver, são completamente diferentes de religião.

A organização no camp é baseada na solidariedade e compartilhamento. Todos podem participar da gestão do local: limpeza, organização, música, massagens, yoga e outras atividades. Minha tentativa no voluntariado foi ajudar na construção de um dos jardins, mas uma gripe me arrebatou antes de finalizar no trabalho.

Participei de três dos quatro satsangs que Prem Baba fez durante os dias que estive lá. Satsangs são como encontros entre o mestre e seus seguidores, em que Prem Baba fala sobre determinados temas. Há momentos para meditação, reflexões, silêncios e músicas.

Os bhajans, que são mantras, músicas de devoção divinas, que chegam a ter mais de 3 mil anos, transmitidos oralmente, tanto em Hindi, como em Sânscrito. O mantra mais novo cantado nos dias que estive ali possui 60 anos. Ritmos tradicionais são mantidos, mas interpretações são livres.

No primeiro dia, a banda tocou Hare Krishna em ritmo de Asa Branca e pôs muita gente para dançar e meditar e ao mesmo tempo. Esse é o principal objetivo dos mantras. Todos sorriam. Me veio a memória há quantos anos escuto essa canção, lembro dos Hare krishnas cantando pelas ruas perto do Masp, quando ia com minha mãe ao cinema de Patriarca e descia na consolação para andar até a avenida Paulista.

Prem Baba não usa somente os milenares mantras do hinduismo. Canções sobre as divindades da natureza, a tradição da religiosidade da floresta brasileira também está ali. Tudo muito bonito. As vozes das cantoras e dos músicos do “Pai do Amor”são delicadas e é fácil fechar os olhos para deixar a mente fluir, no que chamam de oceano interior.

Sozinho e nunca sozinho, conheci muita gente no acampamento. Pessoas de todos os lugares morando em outros tantos pedaços do globo. Exemplo, uma das organizadoras do acampamento, que é irlandesa e mora em Manali, no Himalaia. Lugar que queria conhecer, mas os -14 graus me fizeram retroceder. Ou a francesa que mora em Bali e a jornalista das Ilhas Maurício que abandonou as reportagens após conhecer a meditação, mais de 20 anos atrás e que está na India pela 11a vez. E voltei a falar português e até sobre questões os rumos do jornalismo no Brasil.

Assim como a maioria, acordava antes da 7h da manhã. Na tenda, alguns já praticavam meditação enquanto eu espreguiçava. O silêncio impera nos primeiros momentos da manhã. As tendas vão se abrindo, os corredores de tapete verde tomados pelas pessoas que vão aos banheiros. O café da manhã só após a ioga e os alongamentos.


Na hora do café, avisos para manter-se em silêncio, nunca respeitados. À mesa, o impulso pela conversa era maior que qualquer orientação. Alguns comem nas mesas, outros no chão.


Quatro dias foram poucos para compreender o Khumb Mela, mas interessantes pela chance de observação.