domingo, 21 de fevereiro de 2016

Na Lins

A mão do cabelereiro tremia. Alguns minutos e cabelos no chão ele voltou a comentar comigo sobre sua boa relação com a mãe de seu filho mais novo, como havia feito com o cliente anterior. A risada era doída, desconfortável, após cada frase sobre o assunto. Sorri, disse que o que importava mesmo era o carinho pela mulher que deu a ele seu maior presente. E vice versa. - É verdade, é verdade. O menino havia trocado de escola 3 vezes, mas se encontrou em uma do ramo religioso. Nem recuperação pegou. Não disse a ele que eu fui o rei da recuperação. Mas contei do encanto pelo bairro preferido dele em SP. Se pudesse, voltava, mas o orçamento não permite. 500 mil num apto pequeno de 2 quartos? Deve ser muito mais. O corte custava 50. Não tinha o dinheiro, ele fez por menos.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Exercício de um poema


Um pé na frente
do outro.
O início de uma
fila.
Olhe para frente,
conte até onze.
Feche os olhos e solte
as mãos.
Troque os pés.
Equilibre-se.


terça-feira, 5 de março de 2013

Cavernas de Bhaja e Karla



Antes de cair de cama, quando o organismo se revoltou com o tempero indiano, fui para fora de Pune. Uma hora de estrada, em direção a Mumbai, fui até Bhaja e Karla caves. Meu último passeio turístico histórico religioso. Em Karli, as cavernas de Bhaja recebiam a visita de apenas um casal de turistas. O lugar, um grupo de comôdos ao redor de um grande templo de teto arredondado usado para rituais religiosos, é protegido por uma portão frágil e cercas cheias de furos. Segundo historiadores, Bhaja teve sua importância cultural e religiosa na rota comercial entre o sul e o norte da India no segundo século AC. Dentro das cavernas pode-se ver inscrições e desenhos.




Religião e comércio não deixam as cavernas de Karla vazias. Em volta da escadaria que leva a um dos mais antigos templos budistas, do Século 2 AC, barracas se amontoam. Mendigos se apóiam nas muretas e chamam com as mãos esticadas. 


Uma banda tinha fôlego e a cada degrau aumentava o volume dos tambores e metais. A turma dançava. Um templo semelhante ao de Bhaja, mas ainda maior, tem em sua entrada, esculturas de elefantes, casais e mulheres peitudas dançando. Nas colunas, novas mulheres sentadas em elefantes. Ao lado, cavernas são alvo de mijo e depredação. 

EmPune


Pune é cidade grande. Vizinha à imensa Mumbai uns 200km. Lugar de investimentos. Empresas de Tecnologia da Informação indústrias multinacionais, Shopping Centers e Universidades. Em uma volta pelos arredores é possível ver dezenas de quilômetros de quarteirões de prédios em construção. Alguns minutos de estrada e os prédios são substituídos por condomínios fechados com nomes acabados em Garden, Golden, Park...

Tem grande concentração de moradores estrangeiros. Os turistas também chegam. Prova disso é a quantidade de hotéis estrelados em forma de arranha-céus ou prédios de desenhos arredondados e cores metálicas. Como quase toda cidade indiana, o turismo religioso também é carro chefe, mas em Pune ele tem outro estilo. Não são tendas no meio do mato, em terrenos baldios, sem banheiros, lama e poeira de brinde. 


Em um dos bairros nobres da cidade, Koreagon Park, um grupo de ruas que se parece com o jardim Europa com residências parecidas com as do Alto da Boa Vista, está o Osho International. Não é um Ashram, não é um hotel. É um resort que ocupa centenas de metros arborizados do bairro, protegidos por cercas de mabu pintadas de preto e guaritas com policiais, daquelas parecidas com as do Jardim Europa, que tiram a calçada dos pedestres. Para uma visita de algumas horas, com direito a participar da meditação, cobra-se 20 euros. O visitante ainda tem que entrar com uma roupa cor vinho, que eles vendem por 10 euros, mas no camelô na esquina da rua, sai por 3 euros. “Mas não tem a mesma qualidade”, diz o francês mal humorado, na portaria com placas de mármore preto.

Nas ruas, porsches e carros japoneses dividem espaço com búfalos que param o trânsito em um desfile que poucos dão atencão. Pelas ruas os casais andam de mão dadas, arriscam abraços e beijos, sem causar espanto alheio. As mulheres combinam calças jeans apertadas e ombros de fora com rostos cobertos. Entre os jovens, o hindi perde espaço para o inglês e as lojas de fast food tomam espaço das barracas de samosa e parantha. O progresso do oeste não costuma das brechas.



Entre os prédios novos e envidraçados, casas de madeira da tradicional arquitetura indiana aparecem carcomidas nas ruas transversais, onde a terra retoma espaço do asfalto, as crianças gritam em frente à mesquita e alguns olham curiosos para o turista com uma máquina fotográfica nas mãos.

No trem


Quase três horas da manhã. Já cochilei na sala de espera e agora encosto minhas malas no chão cuspido da estação de Mhugal Sarai, uns quase 30 quilometros de Varanasi. O trem está marcado para essa hora, essa plataforma, mas não aparece. Resmungo e olho para duas plataformas à frente. Ele está lá. E falta muito pouco para partir. Corro igual um maluco, junto com mais um trio repleto de caixas de papelão. Atravesso a passarela e ainda na corrida, pergunto para um moleque onde está o vagão B1.

Estou na classe AC 3 (ar condicionado 3a classe) pela primeira vez. Tudo escuro e silencioso, as cortinas estão fechadas e tenho que ir abrindo uma a uma para achar minha cama. Torço por uma cabine ainda vazia, mas a minha está cheia. Só a cama vaga. Divido ela com a mochila e durmo. Do lado, um grandalhão ronca vertiginosamente. Lembro do Berna em Londres. Seriam 24h de viagem.

Acordo 10h com Rainbow Country. Na sequência, Soul Rebel, Sun is Shining, Revolution e Hammer. O dia começava bem, mas fiquei sem saber de onde vinha a música. Entre uma espreguiçada e outra, reparava nos meus compenheiros de viagem. A impressão era de serem quatro irmãos, dois homens, que pareciam Sikhis, com um pano preto amarrado na cabeça, e duas meninas. Um deles carregava um punhal na cintura, com cabo de marfim.

O outro integrante estava na cama alta, do meu lado. Trabalha na Indian Railways, é responsável por uma pequena estação em Karnatka, soube quando já estava de pé e com cama perdida. Durante o dia, as camas debaixo viram bancos para todos na cabine. As camas do meio são fechadas. Só as de cima sobrevivem. O lugar era apertado para tanta gente e mala. Cada movimento ou ida ao banheiro exigiam planejamentos, perguntas e respostas. Foi aí que pedi ao cara da cama de cima para trocarmos de lugar. Até agora não sei se ele aceitou só por educação com forasteiros, ou não. Mas fui para cama de cima feliz da vida.

Peguei algumas frutas e um croissant que havia comprado em Varanasi e fui comer em outro lugar, perto dos cheirosos banheiros, em uma das paradas.
Ele voltou a se mexer e logo ganhou velocidade. Abri a porta do trem, o vento logo soprou forte na minha cara. O dia era bonito, de sol e paisagens rurais. Sentei na escada, coloquei os pés para fora, como os vagabundos faziam nos vagões de carga.

 O trem passou por uma ponte de ferro. Ouvi um longo rangido, a água verde do rio logo abaixo dos meus tênis. Voltamos para terra, os vilarejos de casas de barro, pequenos templos em meio às plantações, os morros verdes e amarelados ao fundo, meio esfumaçados pela poeira, alguns riacos de leito seco. O trem deslizava por junções de trilhos, a fumaça preta com cheiro de curry e a buzina grave, comprida. Estava a caminho de Pune.