por Vilauba Herrera
Zuleida pegou a chave na mesa de vidro marroquino. A porta já estava aberta. Ela nunca trancava e sempre que possível, espirrava isso nas convesas com suas amigas/inimigas, nas sessões quinzenais de compras do mês.
Entrou no carro. Uma pick-up, modelo super extra power flex, mas que Zuleida só alimenta com gasolina aditivada, salpicada de óleo de primeira qualidade. Brasileiro adora carro, não é?
Zuleida também é assim. Mas o que ela não gosta é da rua, da rua, das pessoas que estão ao redor dela, os prédios. "São todos sujos, essas tintas gastas, o cheiro...um horror", sempre diz.
Colocou a chave na ignição, deu a partida e, passando batom com o auxílio do retrovisor, deu marcha ré. para a curva, na pista cor de chumbo, decorada de faixas amarelas, usou os dois lados da rua. Sorte que não tinha ninguém por ali. Nunca tinha.
Abaixou para pegar um cigarro no porta-luvas e viu uma lata de refrigerante jogada no chão. Pegou-a e colocou em seu colo. Acendeu o cigarro e deu uma longa tragada, a cinza ficou pendurada, prestes a cair no banco de couro de jacaré. Empinou o cigarro, equilibrando-o. Ao passar pela portaria, escutou o Boa tarde do funcionário, que sabia que não iria ter resposta.
Parou no cruzamento, em cima da faixa de pedestres. Achava mais seguro, em caso de ser abordada por um pedinte, uma criança, um bandidão. Abriu a janela e derrubou a cinza, o cigarro pela metade e a lata de refrigerante. Arrancou, arrojada, cantando pneu.
Estava atrasada para o cabelereiro. Sabia que se chegasse 40min fora de seu horário, teria que dar um levado a mais para não ter que esperar a cliente que chegou no horário. Odiava essa situação. Nervosa, acendeu mais um cigarro e outro e outro. Todos dispensados nas faixas de pedestres. "Essa mania que tenho, coisa de louca"
Colocou o celular entre o ombro e a orelha, tentava falar com uma amiga que estava em Bruxelas. A intenção era pedir para que ela trouxesse os novos catálogos do pret a porter.
Deixou o carro no meio da rua. "Não sei fazer baliza". O manobrista teve que correr para dentro do salão e pegar a chave, nas mãos de Zuleida. Até entrar no possante, escutou diversos tipos de palavrões, dos racistas aos infantis.
De cabelo e unhas novas, correu para o carro. Mas ele não estava. Esculachou o manobrista, pegou o automóvel e partiu, levando alguns cones.
Irritada com a falta de bons serviços na cidade, acelerou. Entrou sem diminuir, ainda arrancou uma lasca da guarita do condomínio. Jogou o carro na garagem, saiu esbaforida e entrou na casa com porta destrancada. Estava em choque, precisava de uma água mineral com gás.
Estava salva.
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