O dia tinha sido calmamente planejado.
Mas como havia de ser, cheguei na rodoviária de Londres, em
Victoria, a passos largos e olhos no relógio. Ainda comprei uma água
e barras de cereais antes de ouvir do motorista, quando faltavam 10
minutos pro ônibus partir. “Precisa fazer o check in, com o
bilhete da internet não funciona”. Boa. Corri pro check in e fui
o último a me acomodar.
No plano, a ideia era chegar cedo e
descolar o lugar menos apertado para 1m93. Mas as opções eram
exíguas: ao lado de um velhinho fumante dizendo que estava doente,
ainda duvido dele, ou de um jovem um pouco muito acima do peso.
Preferi evitar a gripe e fomos todos embora da ilha.
Entre tentativas de cochilos e brigas
territoriais com o rapaz, olhava pela janela e tentava fazer algum
tipo de balanço dos sensacionais seis meses que fiquei na Inglaterra. Melhor, dos
nove meses que fiquei na Europa, contando os agradabilissimos três
meses em Viareggio, na Itália. Mas acho melhor tomar vergonha na cara e escrever. O balanço fica pra depois.
Ganhamos a estrada e eu já estava há
30 segundos resmungando em pensamento do desconforto no ônibus
quando me lembrei que vou para a India e que deveria colocar um
sorriso na boca e até dividir o doritos com o gordinho que dormia
com a cabeça tamborilando na janela.
Ao chegar no eurotunnel, a viagem
ganhou contornos de ficção científica. Pelo menos pra mim. Logo
após passar pela sempre agradável imigração, entramos num vagão
imenso, que cabiam muitos ônibus e carros e caminhões. Algumas
portas de vidro se fecharam, dividindo o vagão ainda mais por
dentro.
Em poucos minutos, o calor aumentou e a pressão também.
Daquelas que tampam a orelha. Enquanto a turma teen da Belgica falava
freneticamente, assim como o quarteto japonês, a família do meu
vizinho gordinho, atrás de mim, roncava a plenos pulmões. Foi o
único momento em que me esqueci que estava à mais de 100 metros
abaixo do canal da Mancha para lembrar das minhas adoráveis noites
como apreciador de roncos em Londres (pauta pra outros textos).
Enfim, na superfície francesa.
Seguimos viagem. Mais acostumado ao espaço no banco e por incrível
que pareça, achando que compreendia os japoneses, a turma belga com
seu francês exageradamente belga e a família do meu vizinho, que
admito não saber a origem, tentei dormir para não ter que puxar
assunto.
Foi em Lille que minha memória lembra
que paramos. Segundo o motorista, estavamos muito adiantados. Então
tínhamos que estacionar por um tempo para não tumultuar as coisas
em Bruxelas, destino do ônibus. Aproveitei para dar uma esticada e
conhecer pelo menos um quarteirão da cidade do time que havia sido
campeão francês há uma ou duas temporadas atrás e que tinha me
dado algum trabalho também no video game. Pergunta pra alguém em
Lille o que ele acha de Gervinho. Ou pergunta de Túlio de Mello pra
eles. Só com moleton que estava, não consegui completar a volta no
quarteirão. Voltei pro ônibus e logo ele partiu.
O ônibus chegou a Bruxelas no início
da manhã do dia 6. Paramos em uma rua encoberta por altos prédios
modernos, como esses de bancos, cheios de feiúra e vidros
espelhados. Peguei as mochilas e caminhei até o guichê da
companhia. Estava muito frio. Muito. O funcionário disse que o
ônibus para Dusseldorf ainda não havia chegado. Resolvi averiguar
a área em busca de um local fechado com aquecimento. Subi as
escadarias no fim do escritório da Eurolines e cheguei em um saguão
estilo shopping decadente. Um Starbucks estava aberto e era onde a
turma dos ônibus se aquecia. Fui atrás de um banheiro. Tudo
fechado. Alguns mendigos dormiam. Outros, até de cadeira elétrica
de rodas, os furtavam e tentavam uns trocados com o pessoal que
esperava transporte. Era um shopping e também uma estação
rodoviária. Não reparei se tinham trens. Mas não tinham banheiros
abertos mesmo.
Às 7h voltei pra rua e encontrei o
ônibus. Esperei alguns minutos do lado de fora, pois o motorista não
estava. Ele já estava um pouco cheio. Pela janela via algumas
meninas bonitas e outras pessoas com a cara amarrada ou dormindo. Ao
entrar no ônibus, fui pro fundão e sentei-me ao lado de uma
senhora, que emburrada, tirou suas bolsas do banco. Agora tinha
alguns centímetros a mais, podia descer o banco. Maravilha. Apaguei.
A primeira parada, já com o dia claro,
não me lembro o nome da cidade. Mas lembro que acordei com a mulher
ao meu lado se estapeando. Batia com força na cara, resmungava
algumas coisas e girava o pescoço como ninguém. Muita elasticidade.
E se batia e girava a cabeça. Eu olhava de rabo de olho. Parecia um
ritual, mas era a forma de acordar e ganhar as ruas dessa cidade sem
nome. Pediu licença. Pegou suas bolsas e saiu. Boa parte do ônibus
também ficou nesse lugar. Fiquei com os dois bancos. Maravilha.
Apaguei de novo. Dessa vez acordei em Maastricht, que ainda é
Bélgica. Desci do ônibus para confirnar com o motorista. Voltei
para meu posto e agora tentava compreender o que o trio do fundão,
composto por duas mulheres e um jovem. Pareciam ciganos, mãe e filhos. A imigração subiu
no meio de uma grande rua, não sei se era estrada. Sempre calorosa:
“Onde você está indo? Vai para India a turismo ou para
trabalhar? Tem certeza?”.
Passaportes averiguados, toca para
Dusseldorf, motô!!!! Era o que poderia ter gritado ao motorista
gente fina, mas deixei quieto e voltei aos meus sonhos no conforto do
banco duplo.
Era um pouco mais de 11h da manhã
quando entramos em Dusseldor, fui despertando, olhando para os
prédios, reparando no bonde de linhas arredondadas que corre ao lado
dos carros. Descemos ao lado da Hauptbanhof, que é a estação
ferroviária. Encostei as malas na parede. Me alonguei e mandei um
jóia pro motora. Amarrei a mochila cinza nas costas, a
menor no peito e fui para a estação atrás de uma boa informação:
o endereço do hostel, que não havia anotado previamente. Após um
ligeiro ruído de comunicação, a funcionária educada me escreveu o
nome da rua e o ônibus que deveria pegar. Saí da Hauptbanhof
falando sozinho, aquela auto chamada na chincha pra acordar e
perceber que está viajando sozinho.
Fui interrompido por uma jovem
que mancava e queria grana. Não precisei chegar na parte final da
frase “I dont speak ger...”e já escutei um thank you muito mais
pra fuck you. Comprei o bilhete em uma máquina na rua. Ao achar o
ponto e entender como funciona o itinerário do transporte de
Dusseldorf, pouco esperei para entrar no autobus. Em cinco minutos já
descia e ai começava a meia hora de procura pelo hostel. Escolhi
todas a opções erradas antes de entrar do lado certo da rua e achar
o AO hostel.
Com apenas 10 euros, fui atrás de um caixa para pagar o
restante da reserva. Depois de perceber que não lembrava mais o
número do cartão, contei com a paciência de minha mãe, que me
lembrou. Salve a internet. Salve minha mãe.
Joguei as coisas no quarto. Tomei um
banho, o restante de água da garrafa de Londres e fui desvendar
Dusseldorf, primeira etapa do caminho das Indias, agora sob minha
autoria.
Um comentário:
Uau!!!! Começou!!! Curiosa para acompanhar a aventura. Boa sorte! Beijos.
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