Não queria mais esperar. Eram 8h da
manhã do dia 9/1/2013 e estava no aeroporto de Mumbai há quase
quatro horas. Decidi ir para o terminal de Lokmanyatilak, mesmo
sabendo que o trem para Goa só sairia 11h40. Fui ao prepaid taxi,
que dizem ser a maneira mais segura de andar pela India. Disse para
onde ia e o preço veio: 360 rúpias, quase 5 euros. Não pechinchei,
talvez devesse. Ainda mais quando lembrei que paguei 314 rúpias para
viajar 795km até Canacona de trem.
Comecei a andar até o taxi e já fui
abordado por um cara que me conduziu até o carro. Lá se foram mais
umas 10 rúpias de gorjeta por uma “ajuda”num trajeto de 100
metros. Entrei no honda pintado de amarelo e preto, que parecia novo
perto dos outros modelos, mas já bem machucado e ornado com estofado
chamativo. O motorista parecia não querer papo, mesmo assim,
perguntei algumas coisas para acabar com o clima solene. Porém,
logo calei para acompanhar um plano sequência de cerca de meia hora. Impactante.
Grandes construções sendo erguidas,
favelas, mulheres com vestidos coloridos, homens apressados, outros
nem tanto, canais cobertos de lixo, lixo jogado nas ruas, pessoas
caminhando entre o lixo, cachorros e corvos disputando restos, homens
lendo jornal em meio aos carros, trânsito caótico, ônibus velhos e
vermelhos com mosaicos coloridos, motos, motonetas, rickshaws e
bicicletas disputando espaço com caminhões e carros, ruas
esburacadas e não sinalizadas, templos e prédios carcomidos pela
umidade, edifícios modernos e feios, vacas nas calçadas. Estava
passando por Mumbai, a maior cidade da India.
Desci há uns 100 metros do terminal.
Mulheres e crianças enfiavam as mãos pelo vidro, pedindo dinheiro.
Puxei umas moedas enquanto pagava mais uma gorjeta para o motorista.
Sai do taxi, joguei a mochila nas costas e atravessei o mar de taxis
e rickshaws. Estava assustado. Comecei a entrar na estação e me
senti observado. Passei pela plataforma 1 e entrei no terminal. Um
galpão imenso, de chão quadriculado preto e branco e poucos bancos
e muito espaço. Mulheres limpavam o chão com pequenas vassouras de
palha. Atravessei o local até o guichê de reservas. Este período é
considerado de alta temporada de turistas na India, porque é calor e
não é o momento das monções (chuvas), mas ali em Lokmanyatilac,
até aquele momento, eu era o único turista não indiano.
Entrei na fila e todos me encaravam.
Mentalmente, fingi estar habituado ao local para passar
desapercebido. Não estava conseguindo, mas logo chegou minha vez e o
funcionário me atendeu muito bem, indicando onde deveria pegar o
trem.
Fui atrás de água e comida. A
cafeteria, único lugar do terminal, estava fechada. Desci a
escadaria e reparei ainda mais no local. A escada parecia ser de
mármore vermelho, o teto era ondulado e no centro do galpão, uma
grande escultura de tema religioso e cor marrom. Ao pé da escadaria,
um banco com uma pessoa deitada. Era uma turista, tinha a bandeira do
Canadá na mochila. Caminhei mais um pouco e quando retornei ao
banco, a mulher havia sido acordada pela funcionária de limpeza, que
a repreendeu por estar deitada no banco.
Puxei papo. Clara é de Quebec,
trabalha na área de turismo na cidade e está viajando pela sexta
vez pela India, sozinha. Tem 59 anos e, por coincidência, ia pegar
o mesmo trem que eu. Ia para Kochi, no sul do país. No começo achei
que estava enchendo o saco, mas aos poucos ela passou a conversar
mais. Deve ser o jeitão canadense. Com o inglês carregado de
sotaque francês, contou de algumas viagens, como descobriu a India,
a espiritualidade que a fez conhecer e gostar do país e como se
sente viajando sozinha. “Pra mim é tranquilo. Acho que por ser uma
mulher mais velha, as pessoas me respeitam mais. Sei que existem
problemas com mulheres mais jovens. Problemas como assédios, mas
comigo nunca ocorreu grandes problemas. Me sinto segura.”
A cafeteria abriu e subimos para comer
alguma coisa. Segui o conhecimento de Clara e de um senhor indiano,
que me indicou o omelete. Pedi então o omelete (bem apimentado) e
dois potatoes Wada, que é um bolinho redondo com curry e outras
especiarias. Tudo com pão de forma na manteiga para quebrar o
tempero. Comprei garrafas de água e um pacote de bolacha para a
viagem.
Perguntei a Clara se conhecia Goa. Ela
disse que não tinha interesse. “É um local onde não há o que
procuro. Só tem praia e coqueiros e festas, mulheres nuas e muita
droga. Não me interessa.”
Disse que além disso, existia a parte
da colonização portuguesa, que parecia ser interessante, diante de
toda a história e cultura da India. Não a convenceu.
10h30 nos dirigimos ao terminal 4 para
pegar o trem. Ele já estava lá. E percebi que éramos os únicos
turistas não indianos no local. Carroças cheias de sacas, caixas e
caixotes eram empurradas por toda a plataforma, abastecendo o trem. Começamos a procurar
nossos vagões. A cada vagão, uma lista organizada de assento, com
os nomes dos passageiros. Muito bem organizado. Clara achou seu
vagão, na classe AC3, e nos despedimos. “Valeu, Clara. Você
salvou minha vida nesta manhã. Foi um prazer”, disse. Ela
respondeu e cada um foi para um lado.
Na caminhada pela plataforma olhava para cada um dos vagões e tentava imaginar a idade daquela máquina. Achei meu vagão, S1 da classe Sleeper.
Assento número 72. Era a última cama do vagão, em cima de outra,
ao lado das portas e do banheiro. Joguei as mochilas em cima e,
observado pelos que já estavam no trem, pulei na cama, meu quarto
pelas próximas 13 horas.
Organizei as mochilas de uma forma que
podia encostar e tentar um cochilo. Estava muito cansado, mas ainda
impactado pelo ambiente. Observava as pessoas entrando no vagão todo
azul, os vendedores de comidas, as famílias, o senhor na cama em
frente a minha, perto da janela, lendo jornal, os três ventiladores
no teto, bem próximos a mim. O trem apitou e começou a andar.
Foi aí que percebi. Realizava um sonho
de criança. Sempre quis andar de trem por causa dos filmes de
aventura, quando os heróis estavam em lugares ermos e pegavam os
trens cheios de gente, bichos, maior bagunça, que nem Indiana Jones.
Tirei o tênis, escrevi um pouco no caderninho e dormi, embalado pelo
chacoalhar do trem e o bate papo dentro do vagão.
Acordei algumas vezes, mas não sai da
cama. Só observava. Tomava poucos goles de água. Já sentia o
cheiro do banheiro e queria evitá-lo. Uma hora, no
entanto, como ainda não fazia ideia do tempo que ficaria lá dentro,
desci em uma das paradas. Estávamos no meio do nada. Não havia
estação. As pessoas estavam do lado de fora fumando, ou comprando
ou vendendo. Do outro lado, o outro trilho era tomado por macacos,
que esperavam as pessoas jogarem comida para se arriscar perto do
trem. No meu vagão, só eu e um moleque, nos seus 8 anos, nos
divertíamos com a cena.
E assim, a cada parada, pulava da cama
para saber onde estava. O calor diminuíra, já que as portas dos vagões iam abertas, com o pessoal sentado na borda, olhando, fumando, conversando. Muitas horas e perguntas depois, um cara me
passou uma informação mais confiável. “O trem vai passar em
Canacona lá pelas 22h30, 23h, dependendo das paradas”, afirmou e
eu acreditei. Por isso, relaxei e dormi, eram umas 18h30. Fui acordar
pra lá das 21h. Minhas costas estavam doloridas, mas o cansaço e o
fuso horário estavam vencendo. Usei o banheiro umas duas vezes.
Estava realmente sujo e fedido, na linha estádio recomeço do
segundo tempo.
O funcionário da companhia de trem
passou e pediu as passagens. Pediu para ver o passaporte também, mas
esqueceu de cobrar e ficou por isso mesmo. Em uma das paradas, um
cara estava com um papel na mão e não sei porque, pedi para ver.
Era o papel com todas as estações que o ônibus pararia. Faltavam
quatro. Estava chegando. Cochilei de novo e acordei quando escutei
uma turma de jovens falando alto, descendo em Madgaon (Margão),
capital de Goa. Uma grande família entrou no vagão e dominou o
restante das camas, já vagas por outros passageiros. Dos que
partiram de Mumbai, só eu e o senhor do jornal no mesmo pedaço.
Era uma estação antes da minha. Esperei já sentado e com tênis no
pés.
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