Lembre-se:
Você escolheu essa vida...e esse quarto. Está escrito na parede do
quarto no hotel Paragon, onde me instalei, na rua Stuart Lane, em
Kolkata, que tinha um nome mais bonito antes, Calcutá.
É
um 2m x 1,5m, com a pintura verde claro que descasca pela umidade e
mais centenas de mensagens e desenhos de viajantes que estiveram por
aqui. Muita coisa oriental, com seus alfabetos de “riscos”e
rostos e corpos na linha mangá.
E
o hotel é quase todo assim. Descascado e úmido. As pombas dominam
as dobras e a parapeitos. Entulhos, roupas, garrafas de plástico e
de vidro, restos de propaganda de refrigerante. São dois andares. Um
quarto atrás do outro. O meu é o 21 e fica perto da entrada, onde
sempre fica um velho homem, que lê jornal e conserta fusíveis e
fala pouco.
Europeus
e asiáticos são a maioria. Uma família, com seus dois filhos
pequenos está há alguns dias. Eles parecem não sair do hotel.
Aproveito
o varal e lavo algumas roupas, sempre depois do banho. No meio da
tarde já estão secas.
Em
um dos pátios internos do Paragon conheci uma turma. No primeiro
dia, Peter, um húngaro que trabalhava com mercado financeiro e
largou para viajar pela Ásia. Saímos para fotografar o centro. Na
verdade, caminhamos até o Indian Coffee House, um café no primeiro
andar de um prédio na rua próxima à Universidade de Calcutá onde
centenas de barracas vendem livros. Bandeiras com um tigre e a foice
o martelo enfeitam a região. Os comunistas governaram o estado de West Bengal por mais de 30 anos. Hoje fazem oposição.
O
Indian Coffe House é o lugar onde intelectuais e revolucionários
indianos se encontravam. É bem cheio e possui alguns quadros e uma
foto grande de Rabindranath Tagore, pensador indiano (Bengali), ganhador do nobel de literatura. O café é ruim e barato e os garçons, com uniformes
engraçados, são mal humorados.
Antes,
já havia caminhado pelas redondezas e visto o Great Eastern Hotel,
aos pedaços. O lugar foi palco das recepções de estadistas e
celebridades no início e meados do século passado. Li que Mark
Twain e Kipling ficaram lá.
Kolkata
é gigante. São mais de 20 milhões de pessoas. E cidades grandes,
geralmente, não têm tempo para te acolher bem. Mas depois, logo
depois, se rolar um esforço, tornam-se instigantes e atraentes.
As
linhas são inglesas. Os prédios, palácios, as largas ruas, as
praças e parques. Calcutá foi a capital das Indias britânicas. Foi
o lugar onde os colonizadores escolheram para comandar. E uma das
atividades é passear e ver como os indianos desvirtuaram toda essa
ordem britânica. Nas grandes e largas avenidas, buzinas e mais
buzinas, carros e ônibus acelerando em freando bruscamente, dúzias
de policiais tranquilos, vestidos de branco e regendo a bagunça. Os
palácios com suas belezas esquecidas, tornam-se aos poucos, base
para raízes e arbustos, que formam novos tipos de atração.
É
isso que faz tantos europeus, ou outros cidadãos de países ricos
entrarem numas, na India. Após nascer e viver em um lugar cheio de
regras e silêncio, ver de perto o barulho e o despreendimento com
certas convenções é desconcertante e prazeroso. Uma experiência
libertadora, de alguns meses, está certo. Mas tem gente que não sai
mais daqui.
Um comentário:
...não seria apenas uma troca de convenções?
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