terça-feira, 17 de junho de 2008

Desde o tempo ....do onça

por Vilauba Herrera

Acordou com a boca seca. Olhou de lado, a garrafa mais seca que sua língua. Levantou com a mão apoiada no colchão e a outra coçando os olhos remelentos. Cambaleou até a pia do banheiro e improvisou um bebedouro. Emendou uma chuveirada e se vestiu molhado mesmo. O calor permitia. O telefone tocou.
- Alô.
- Alô, Américo. É sua tia Eneida.
- Oh tia, tudo firmeza?
- heim?
- Tudo bem com a senhora?
- A meu filho, tudo daquele jeito. To ficando velha...
- Que isso, tia, você está de boa, inteiraça!
- Nada, Américo, por fora bela viola, por dentro pão bolorento.
- ...
- E como você está, Américo? Sua mãe me disse que está desempregado.
- É tia, mas daqui a pouco eu vazo daqui e descolo um trampo noutro pico.
- Heim?
- Quero ir embora, tia, preciso sair dessa cidade.
- E vai para onde, Américo? A Mirdes me disse que você não tem um tostão furado, que está matando cachorro a grito.
- Não é bem assim, tia, não é bem assim, não tô matando cachorro nenhum. É que tá treta aqui, não consigo desenrolar nada. Se pá, vou pro Nordeste.
- O que? Américo, o senhor está pensando que berimbau é gaita? Ir para o nordeste como? Vai fazer o que lá?
- Pô, tia, um truta meu foi pra lá e se deu bem, abriu uma barraca na praia, vende uns refri, umas brejas.
- O que é isso, Américo? deixa de ser paspalhão, isso não é vida.
- Claro que é tia. Se um bagulho desse virar, eu tô feito.
- Américo, você era um menino tão curioso, espoleta, serelepe. Deveria tentar alguma coisa com computador. Um filho de uma cumadre minha começou a mexer com isso e já comprou um carro. Américo, computador é a coqueluche do momento!!
- Não, tia. Eu não manjo dessas coisas. Meu negócio é trampar na rua, trocar idéias. Informática é papo de nerd.
- O senhor está sendo cabeça dura. Deveria tirar as barbas de molho e procurar emprego em uma firma dessas. Tenho certeza que rapidinho iria arrebentar a boca do balão.
- Sussa, tia. Mas agora vou desligar. Tchau.
- Tchau, Américo. Fique com deus.
...

- Alô.
-Alô, Mirdes?
- Eneida, tudo bem?
- Comigo tudo bem. Mas falei com seu filho. Mirdes, Américo está com umas idéias, heim?
- Eu bem sei. Disse que quer ir para o norte, trabalhar na praia.
- É, ele está perdidinho, mais por fora do que umbigo de vedete.
- Hahahahaha, ai Eneida, você e suas frases engraçadas. Eu não entendo patavinas.
- Não mude de assunto, Mirdes. Seu filho está numa situação de lascar.
- Será o Benedito, Eneida? O menino já está com 32 anos. Ele que resolva a vida dele. Essa batata quente não é minha e nem sua. Agora deixa eu lhe falar. Fiz um docinho de abóbora, porque você não vem com a Zumira, amanhã, para provar.
- Tudo bem, mas nós vamos continuar essa conversa, dona Mirdes, não tem choro e nem vela. Além disso, esse doce deve estar supimpa, não é?
- Chuchu beleza.

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