terça-feira, 5 de março de 2013

Cavernas de Bhaja e Karla



Antes de cair de cama, quando o organismo se revoltou com o tempero indiano, fui para fora de Pune. Uma hora de estrada, em direção a Mumbai, fui até Bhaja e Karla caves. Meu último passeio turístico histórico religioso. Em Karli, as cavernas de Bhaja recebiam a visita de apenas um casal de turistas. O lugar, um grupo de comôdos ao redor de um grande templo de teto arredondado usado para rituais religiosos, é protegido por uma portão frágil e cercas cheias de furos. Segundo historiadores, Bhaja teve sua importância cultural e religiosa na rota comercial entre o sul e o norte da India no segundo século AC. Dentro das cavernas pode-se ver inscrições e desenhos.




Religião e comércio não deixam as cavernas de Karla vazias. Em volta da escadaria que leva a um dos mais antigos templos budistas, do Século 2 AC, barracas se amontoam. Mendigos se apóiam nas muretas e chamam com as mãos esticadas. 


Uma banda tinha fôlego e a cada degrau aumentava o volume dos tambores e metais. A turma dançava. Um templo semelhante ao de Bhaja, mas ainda maior, tem em sua entrada, esculturas de elefantes, casais e mulheres peitudas dançando. Nas colunas, novas mulheres sentadas em elefantes. Ao lado, cavernas são alvo de mijo e depredação. 

EmPune


Pune é cidade grande. Vizinha à imensa Mumbai uns 200km. Lugar de investimentos. Empresas de Tecnologia da Informação indústrias multinacionais, Shopping Centers e Universidades. Em uma volta pelos arredores é possível ver dezenas de quilômetros de quarteirões de prédios em construção. Alguns minutos de estrada e os prédios são substituídos por condomínios fechados com nomes acabados em Garden, Golden, Park...

Tem grande concentração de moradores estrangeiros. Os turistas também chegam. Prova disso é a quantidade de hotéis estrelados em forma de arranha-céus ou prédios de desenhos arredondados e cores metálicas. Como quase toda cidade indiana, o turismo religioso também é carro chefe, mas em Pune ele tem outro estilo. Não são tendas no meio do mato, em terrenos baldios, sem banheiros, lama e poeira de brinde. 


Em um dos bairros nobres da cidade, Koreagon Park, um grupo de ruas que se parece com o jardim Europa com residências parecidas com as do Alto da Boa Vista, está o Osho International. Não é um Ashram, não é um hotel. É um resort que ocupa centenas de metros arborizados do bairro, protegidos por cercas de mabu pintadas de preto e guaritas com policiais, daquelas parecidas com as do Jardim Europa, que tiram a calçada dos pedestres. Para uma visita de algumas horas, com direito a participar da meditação, cobra-se 20 euros. O visitante ainda tem que entrar com uma roupa cor vinho, que eles vendem por 10 euros, mas no camelô na esquina da rua, sai por 3 euros. “Mas não tem a mesma qualidade”, diz o francês mal humorado, na portaria com placas de mármore preto.

Nas ruas, porsches e carros japoneses dividem espaço com búfalos que param o trânsito em um desfile que poucos dão atencão. Pelas ruas os casais andam de mão dadas, arriscam abraços e beijos, sem causar espanto alheio. As mulheres combinam calças jeans apertadas e ombros de fora com rostos cobertos. Entre os jovens, o hindi perde espaço para o inglês e as lojas de fast food tomam espaço das barracas de samosa e parantha. O progresso do oeste não costuma das brechas.



Entre os prédios novos e envidraçados, casas de madeira da tradicional arquitetura indiana aparecem carcomidas nas ruas transversais, onde a terra retoma espaço do asfalto, as crianças gritam em frente à mesquita e alguns olham curiosos para o turista com uma máquina fotográfica nas mãos.

No trem


Quase três horas da manhã. Já cochilei na sala de espera e agora encosto minhas malas no chão cuspido da estação de Mhugal Sarai, uns quase 30 quilometros de Varanasi. O trem está marcado para essa hora, essa plataforma, mas não aparece. Resmungo e olho para duas plataformas à frente. Ele está lá. E falta muito pouco para partir. Corro igual um maluco, junto com mais um trio repleto de caixas de papelão. Atravesso a passarela e ainda na corrida, pergunto para um moleque onde está o vagão B1.

Estou na classe AC 3 (ar condicionado 3a classe) pela primeira vez. Tudo escuro e silencioso, as cortinas estão fechadas e tenho que ir abrindo uma a uma para achar minha cama. Torço por uma cabine ainda vazia, mas a minha está cheia. Só a cama vaga. Divido ela com a mochila e durmo. Do lado, um grandalhão ronca vertiginosamente. Lembro do Berna em Londres. Seriam 24h de viagem.

Acordo 10h com Rainbow Country. Na sequência, Soul Rebel, Sun is Shining, Revolution e Hammer. O dia começava bem, mas fiquei sem saber de onde vinha a música. Entre uma espreguiçada e outra, reparava nos meus compenheiros de viagem. A impressão era de serem quatro irmãos, dois homens, que pareciam Sikhis, com um pano preto amarrado na cabeça, e duas meninas. Um deles carregava um punhal na cintura, com cabo de marfim.

O outro integrante estava na cama alta, do meu lado. Trabalha na Indian Railways, é responsável por uma pequena estação em Karnatka, soube quando já estava de pé e com cama perdida. Durante o dia, as camas debaixo viram bancos para todos na cabine. As camas do meio são fechadas. Só as de cima sobrevivem. O lugar era apertado para tanta gente e mala. Cada movimento ou ida ao banheiro exigiam planejamentos, perguntas e respostas. Foi aí que pedi ao cara da cama de cima para trocarmos de lugar. Até agora não sei se ele aceitou só por educação com forasteiros, ou não. Mas fui para cama de cima feliz da vida.

Peguei algumas frutas e um croissant que havia comprado em Varanasi e fui comer em outro lugar, perto dos cheirosos banheiros, em uma das paradas.
Ele voltou a se mexer e logo ganhou velocidade. Abri a porta do trem, o vento logo soprou forte na minha cara. O dia era bonito, de sol e paisagens rurais. Sentei na escada, coloquei os pés para fora, como os vagabundos faziam nos vagões de carga.

 O trem passou por uma ponte de ferro. Ouvi um longo rangido, a água verde do rio logo abaixo dos meus tênis. Voltamos para terra, os vilarejos de casas de barro, pequenos templos em meio às plantações, os morros verdes e amarelados ao fundo, meio esfumaçados pela poeira, alguns riacos de leito seco. O trem deslizava por junções de trilhos, a fumaça preta com cheiro de curry e a buzina grave, comprida. Estava a caminho de Pune.

Entre peregrinos e chuva


Não é difícil se perder em Varanasi. Se você ainda está na disposição, então. Fui engolido por multidões de peregrinos que rumavam em diversas direções. Por alguns momentos, nem tive opção de decidir pra que lado iria. Acabei na rua do mercado principal, com suas lojas de temperos, cheias de potes de vidros coloridos e pequenas gavetas. Em outra viela, o brilho dourado dos braceletes, brincos nas bancas de bijouterias. A chuva caía fina e ajuva a emporcalhar ainda mais a velha e louca Varanasi. O chão tornou-se uma pasta de merda e lama escorregadia, misturada com lixo.



 Em uma das maiores ruas, que desembocam no Ghat principal, uma fila de peregrinos, de alguns quilômetros, entre estacas de madeira e policiais com metralhadoras e varas de bambu, aguadavam sua vez para chegar ao Golden Temple. O fim da tarde se encaminhava e entrei num barco a remo para visitar o Ganges, a ganga. A noite caiu e não consegui concluir o plano, que era ir até a outra margem. Fiquei no passeio comvencional, com direito a fumaça no burning ghat e velas e oferendas, que me deixaram com peso na consciência, nas águas do rio. Também vi a iluminada Pooja, o ritual de orações e oferendas no grande Ghat.

Em meio a um apagão, fui assistir a show de música e dança indiana clássica.
Caminhei pelas ruelas escuras e lamacentas atrás do Ashram onde iria acontecer o concerto, pelo Khumb Mela festival. Os guias eram os amarelos cartazes grudados pelas paredes, iluminados pelos celulares. Na busca, me juntei a mais um grupo e um morador nos levou até o lugar O concerto de uma espécie de violão, diferente do tradicional, e tabla, ocorreu em um pequeno palco, um tatame de pano claro. As pessoas se esparramando por ali. Todos estrangeiros. Reparei em dois ou três rostos conhecidos, possivelmente de Allahabad. No espetáculo de dança, parte do tatame foi retirado e o dançarino apresentou-se acompanhado por uma dupla de músicos.


Eram 6h30 da manhã e levantei e corri pela escada e cheguei ao terraço. Uma mulher fazia Yoga. Alguns macacos caminhavam nos muros dos terraços de prédios ao lado. Outros turistas acompanhavam o alvorecer. O rio estava rosa e os barcos pareciam esfumaçados, de longe.

Organizei a mala e tomei o café da manhã com quatro macacos, que literalmente, colaram na grade do meu quarto. Escutamos Jorge Ben e nos alimentamos com uma dúzia de bananas que havia comprado no dia anterior. Eles foram embora e eu também, após o check out.

No dia chuvoso, me disseram nas ruas para não reclamar. “Quando cai água no seu último dia em Varanasi, é sinal de que vai voltar”. Vasculhei algumas lojas de livros, incensos e chás. Aproveitei para retomar alimentação nas barracas de rua, para o azar do meu estômago.


Encerrei no Karki's Bar: um sobrado com almofadas no chão, mesas baixas, pouca luz, pouca pintura, um grande NO PROBLEM nas paredes e incrível demora para servir um chá de gengibre com mel e limão. Entre um pipe e outro, escutava o papo alheio. Poderia ficar horas por ali, se pudesse. Não podia. Corri para o hotel. Tinha que pegar as malas e ir para a estação.

Varanasi, Benares, Banaras...



Ainda não havia passado das 9h30, mas o sol já era forte em Varanasi. Sai da estação e peguei um rickshaw. Ansioso, parei numa rua de comércio intenso, a Bengali Tola, a última nas proximidades do Ganges onde automóveis podem trafegar. Me aproximava da área central de Varanasi, a mais antiga cidade da India.

Adentrei às vielas e corredores rapidamente, desviando meu corpo de quase 120 kg (eu e mochilas) de pessoas, cachorros, vacas, bicicletas e motos. Ainda firme, tentava reparar nas construções, no jeito dos moradores. A cada viela mais próxima do rio parecia que as casas tinham camadas de poeira cada vez mais maiores nas paredes. A chamada “cidade viva mais antiga do mundo” borbulha com o Khumb Mela, o festival religioso que já tinha visto em Allahabad, cerca de um mês antes.



Tinha o nome de três hostels e fui procurá-los. Cheguei a uma das referências que tinha, o Shiva Café, ponto de encontro dos estrangeiros. Enfiei a cabeça pela janela e perguntei pelos hostels. Os dois primeiros estavam lotados para quem oferecia menos de quatro dígitos. A terceira opção, o folclórico Moona's, mas também estava cheio. “Você pode ficar no chão do salão lá de cima, custa 50 rúpias por dia”, disse um jovem hippie canadense com um tambor na mão, arranhando um português. Mas sem saco de dormir me desanimou e voltei para as ruas.


As horas passaram e conheci uns 10 quartos, na maior parte do tempo após ser levado por algum “funcionário de hotel”. Mas todos com preços além do orçamento. O cansaço venceu e aceitei o quarto mais caro da viagem.
Apesar do preço e das escadas, o lugar tinha o ganges na janela, que aparecia graças a uma fenda entre dois prédios em frente. Melhorou na manhã seguinte, quando o sol levantou exatamente no local, fazendo o rio brilhar bem na minha cara.

Pela viela principal, que entendi chamar-se CT Road, lojas de de discos e de instrumentos musicais indianos seduzem os turistas, que aproveitam a estadia para aprender algumas notas de cítaras, sarods. O instrumento mais procurado é a tabla, tambor típico da música local. Conheci algumas pessoas que fazem aulas todas as vezes que passam por Varanasi.




Mas é a religião que chacoalha a cidade. Na entrada do principal Ghat, à beira do Ganges, o comércio da religião é o que domina. Centenas de bancas, debruçadas nas escadarias, vendem kits de oferendas, imagens e outros souvenires de fé. Em toscas camas de madeira, homens oferecem massagens. Uma tropa pela beira do rio em todos os ghats vende passeios de barco. As crianças jogam críquete, outras trabalham duro, uma fila de mendigos esticam as mãos. De cócoras, grupos conversam enquanto seus búfalos e vacas banham-se ou são fotografas pelos turistas. Nagababas, os sadhus que vivem sem roupa, acampam em frente am ganges. Fumam charas e ganham dinheiro posando para os turistas. A cidade vive e morre no Ganges.


Perto dali, nos “burning ghats”, rituais de cremação são verdadeiras atrações e chama a atenção de locais e estrangeiros. Embrulhados em papel colorido e brilhante, os corpos chegam carregados por grupos de homens, que cantam, alguns batem palmas. Funcionários retiram troncos de enormes pilhas dispostas nas escadarias. A fumaça das fogueiras já escureceu as parades dos prédios em volta. As cremações não param. São cerca de dez fogueiras acesas ao mesmo tempo. Uma apaga e logo o funcionário, usando um pedaço de pau, vasculha as cinzas atrás de possíveis bens que o fogo não levou. E então, uma nova cama de troncos é montada para que um outro ritual comece. As fotografias são proibidas. Mas existem possibilidades no mercado, se você quiser um close. Barcos encostam para acompanhar as cenas. O cheiro da fumaça é estranho. Fácil de enjoar. Mas a banca de chai bem no meio do nevoeiro é um sucesso.

Resvalo em Kolkata


Dessa vez cheguei em Kolkata pela estação ferroviária de Howrah, a maior delas. Do outro lado do rio Hooghly. O sol da manhã já se impunha e reconheci alguns prédios na outra margem. Já havia estado ali à pé. Dava para ir caminhando até Sudden Street. Mas por puro cagaço, desisti de deixar a mochila grande no guarda volumes da estação. Teria que estar ali novamente às 20h para pegar o trem de Varanasi.  Peguei um taxi, já que rickshaws são proibidos de ir até ali. É a máfia taxista.

Tentei colocar as mochilas no hotel onde havia ficado, o Paragon. Mas negaram. Então fui ao Maria Hotel, onde já deveria ter ficado da outra vez. Um casarão antigo e detonado, de portas duplas e grandes e com dois terraços no alto. Dei uma grana pro funcionário e pude guardar as malas e usar o banheiro. A saúde não estava lá essas coisas. Tomei café da manhã ocidental e usei a internet numa lanchonete na mesma rua. Fui até a agência que me vendeu os bilhetes de trem para Puri e Varanasi, precisava pegar o número do acento da viagem noturna. Os números só são liberados algumas horas antes da partida. Na agência, perguntei sobre trens de Varanasi para Mumbai para deixar tudo preparado na hora de finalizar a viagem. 

Os trens estavam lotados. Corri para o escritório da Indian Railways para tentar um lugar na cota para estrangeiros. A fila era grande, mas organizada por senha. Aos poucos, os gringos vão se conhecendo e trocando informações sobre destinos. No tempo em que estive ali não vi um sair sem sua passagem arrumada. A minha saiu rápido e chegaria em Mumbai algumas horas antes do avião.


Resolvi voltar andando. Tinha pouco mais de três horas para voltar à estação. Fui em direção à Esplanada de Kolkata. No caminho, ainda mandei um chai e uma salada de frutas e legumes. Perto da curva onde entraria para retornar a Sudden Street, uma praça cheia de esculturas e bustos de personalidades. Em uma das esquinas, Marx e Engels, sempre lado a lado, caminham em direção ao pôr do sol.

Enrolei e jantei na mesma lanchonete com internet e parti para a estação, que estava abarrotada. Sem atrasos, encontrei meu lugar no trem na lista que vem grudada do lado de fora dos vagões. De manhã, estaria em Varanasi.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Viajantes, restaurante e atropelos


Faço as refeições todos os dias no Honeyfall, um restaurante com telhado de folhas de coqueiros e bambu. Desenhos nas paredes: peixes, olhos coloridos, um coração escrito Puri dentro, como tatuagem antiga. A comida e o preço honestos. O dono me deixa dever por algumas horas e também me deve, certas vezes. Mas a conta fica sempre acertada. Fica numa esquina da rua do hotel. É ponto certo de alguns outros turistas, locais e gringos. Forma-se uma familiaridade entre os clientes. 


Um casal de coroas franceses. Ela com a voz bem fina e ele com um chapéu de pescador. Duas indianas, uma com o cabelo bem curto e outra de cabelos castanhos. Sempre cheias de sorrisos. Um argentino, que abandonou o trabalho de contabilidade que tinha com o pai. Está viajando, meses e meses. Depois da India, Tailândia, Indonésia. Depois vai pensar no que fazer.

 “Quando o dinheiro acabar.” Um europeu, senhor, que pede o mesmo café da manhã e que pega o jornal, depois que leio. Toma café, apesar do café indiano ser muito ruim. Um alemão, de Jena, que não gosta do restaurante, mas estava ali conversando com o argentino. Depois encontro ele na praia. Dá aula de yoga na Alemanha. Também faz capoeira angola e fala português. 

Sabe muito sobre a religião hinduista. Vamos andando em ritmo forte pela praia. Ele faz isso quase o dia todo. “Lá para o lado da cidade, as energia são ruins.” Fala sobre os deuses, fala sobre a energia que recebe quando está em contato com a natureza, fala sobre a alimentação correta, sobre Yoga, capoeira, meditação, mistura com inglês, fala da Europa que “não possui boas energias. Só serve para dinheiro”, fala das regras e mais regras da cultura alemã, fala dos indianos que “sugam as energias dos outros. Só estabelecem relação a partir de dinheiro”. 

Em alguns momentos, o vento forte do mar não me deixava escutar direito e era o momento em que tentava absorver algumas daquelas centenas de informações por segundo. Também fala sobre surfe em Bali, ventos, pranchas. Ele também procura outro modo de vida. Quer dar aula, gosta, mas quer fazer isso na Asia, talvez na India, talvez em outro lugar. “O Sri Lanka, Laos, Vietnan, esses lugares são mais bonitos, existe muita natureza ainda.”Precisava de um pouco de silêncio depois de tanto ouvir. Voltei para o hotel, antes, alguns minutos de observação de ondas.


Na despedida de Puri tomei coragem para mergulhar no mar de West Bengal, após bater um papo e ver um tiozão australiano de Melbourne, que viveu 10 anos na India, pular naquela água gelada e suja. Me contou que estava no país após mais de 10 anos sem visitas. Veio sozinho e deixou a mulher triste em casa. Mas ela tinha trabalho e ele...”pouco trabalhei na minha vida. Tive sorte”, respondeu.

Em Puri não colocava os pés há mais de 20 anos. Foi para rever amigos. E quase todos já estavam mortos. Mesmo chateado, disse compreender. “Muitos deles não levaram uma vida muito saudável, além de amizades pouco saudáveis também.”


Comemos umas mexericas e cada um foi para o seu lado. Quando saia da cidade, caminhando, fui atropelado por uma bicicleta. O ciclista  foi para o chão. Todos estavam bem. Andei até a estação de trem e subi no Sri Jagannath Express às 22h30, sentido Kolkata.

KonarÊ!!


Puri está no estado de Orissa, um dos mais pobres da India. É uma das principais cidades sagradas do país, para onde vão os peregrinos. Cidade de Jagarnath, uma forma de Krishna. Os principais templos são fechados para turistas, descobri na marra, andando de um em um.

Então fui para Konark, 35km ao norte. Lá está o templo do Sol. Entrei no ônibus e não cabia no banco. O cobrador ainda do lado de fora gritava: Konarê, Konarê!! E como não há pontos de parada oficiais, ele vai gritando a viagem toda, pendurado na porta.






O trem passou pela praia de Konark e minutos depois desci na entrada do templo. Ao redor, lojas e berracas e resturantes, que cruzei rapidamente, acompanhado por uma fila de estudantes que também chegava para uma visita. Já dentro do complexo, dezenas de estudantes sentados no chão escutavam alguém, que parecia dar um sermão, de mircrofone em punho.


A entrada é cara, 250 rúpias. Um indiano paga 10. É assim na maioria dos templos indianos. O Templo do sol é dedicado ao deus Surya, construído no século XIII. A maior parte do templo é feito de Sandstone na arquitetura denominada Orissan. É considerado um dos principais templos da India.



Suas paredes, assim como Kajuraho, possuem esculturas eróticas. Mas o templo principal é muito maior. São cerca de 30 metros, rodeado por construções menores e um jardim simples, mas bem cuidado, onde garças curiosas chegam perto dos visitantes, atrás de comida. 



Quem resolve não pagar, pode circular ao redor do templo, pelo muro. Gastei algumas horas no lugar e tornei-me um possível empresário ao conhecer um senhor indiano que festejou quando eu disse ser do Brasil. “As relações comerciais entre India e Brasil estão muito boas”, disse, me entregando um cartão.”Trabalho para um grupo que movimentou mais de um bilhão de dólares no ano passado”, reiterou.

Após os negócios, no caminho para a saída, conheci um inglesa. Dançarina, estuda e ensina dança clássica indiana. Ficará 6 meses no país em aulas e festivais. Almoçamos, enquanto ela me explicava as tradições e histórias da dança indiana e as dificuldades em viver artisticamente em Londres. Também aproveitei para pegar uma dicas sobre Varanasi, o próximo destino. Caminhamos até a praia, pela beira da estrada que passa por um santuário ecológico. Percebi que a melhor parte de Puri é Konark.

Com preguiça de voltar andando e atrasado para o último ônibus para voltar, pegamos um rickshaw. Nos despedimos e pulei no ônibus, completamente lotado. Nos primeiros minutos, resmungava a cada parada e tentativa o cobrador em enfiar mais gente no veículo. Aos poucos entrei num transe e só acordei quando o motorista freou na parada final. Andei rápido para o hotel, pelo caminho que já conhecia do dia anterior.


Puri é repleta de casarões antigos e empreendimentos comerciais abandonados. A impressão é que por ser uma cidade de peregrinos, tentou-se criar uma infra estrutura para receber ainda mais turistas, mas por falta de projeto ou de turistas, tudo ficou pelo caminho. Jantei, comprei água e frutas

Puri, mas nem tanto


O trem parou em Puri às quatro e tanto da madrugada do dia 16. Na plataforma, um senhor me ofereceu os serviços de rickshaw e 5 minutos depois percebi que era uma bike rickshaw, que ainda não tinha usado na viagem, por achar meio cruel. E é. Com minhas mochilas, devo pesar mais de 115kg, certamente, apesar de já ter deixado muitos quilos pelo caminho.

 O senhor do rickshaw não devia pesar 60. Além disso, existem obstáculos no meio do caminho. Num percurso que faria a pé, com mochilas, em 20min, levamos uma meia hora e tive que pular para fora do veículo em alguns momentos para ajudá-lo a empurrar a bicicleta com minhas malas.

Tinha pesquisado dois lugares para tentar ficar. Mas de madrugada aceitei a sugestão do tio e cheguei ao Durga Lodge, um predinho verde meio fedido. Preço acertado, derrubei as malas no quarto e dormi algumas horas.

O cômodo é no térreo e grande, paredes amarelas de roda pé de azulejo. O banheiro tem luz vermelha e assento indiano. A pia é do lado de fora. Mas a torneira do lado de dentro pinga o tempo todo. Ainda há uma porta e uma janela para um corredor atrás. Janela que enquanto estava escrevendo, pulou um macaco e pegou a sacola de casca de banana que separei pras vacas. Olhou pra mim e subiu no telhado do vizinho. Macaco folgado.

O cheiro não invadia o quarto, mas batia na porta. E de manhã estava mais forte. O lodge fica em frente a um terreno com um esqueleto de um prédio. E terreno vazio na India vira lixão e banheiro. O sol levanta o odor.


A praia é bem bonita de longe e vai enfeiando na aproximação. A sujeira é a responsável. Na beirada da areia, uma vila de pescadores. Na areia, o depósito de lixo, assim, num canto grande. Mas o mar é bonito, forte, enérgico, mesmo quando está sem ondas. Menos de 100m, na água, os barcos de madeira, com as hélices apoiadas por uma longa haste de metal.


Quando estão na areia, os barcos ajudam a formar um quadro. Todos perfilados, à frente, a espuma e a mareia, atrás, os casebres de bambu e bandeiras hasteadas. De perto, cada barco estacionado serve como “casinha”. A vila usa a areia como banheiro. Crianças, de cócoras, lado a lado, conversam, enquanto os amigos jogam críquete. Adultos, homens e mulheres, lado a lado.

Quando os barcos chegam do trabalho, grupos se aglomeram ao redor. Mulheres, com suas bacias prateadas e um pano enrolado na cabeça, ficam agachadas e aguardam sua vez para pegar a mercadoria. Aos poucos, enchem as bacias com alguns peixes grandes e as colocam na cabeça. Nas ruas, vi mais mulheres do que homens, na venda do pescado. Crianças pedem canetas, chocolates ou dinheiro e jovens oferecem-se como guias.
E os pescadores oferecem...fumo.

Ótima qualidade. Você fuma e Shiva vem até você”, um disse. Alguns passos adiante, “É muito bom, da região de Kerala. Eu fumo quando estou com frio, antes de ir pra o mar. Passa na hora”, outro falou.


Nas areias de Puri, as oferendas (pujas) também ajudam a estragar o ambiente. Um córrego de água escura e fétida deságua completa o cenário. As consequências estão alguns metros adiante. Encontrei quatro tartarugas mortas. Uma delas era alimento de cachorros e corvos.




Na área de maior movimento da praia de Puri, um mercado na areia. Muitas lonas cheias de brinquedos coloridos enfeitiçando as crianças. As inúmeras barracas de comida e bijuterias. Camelos e cavalos trabalham duro na areia, carregando mães e suas crianças chorosas, enquanto o pai corre para fotografar. Famílias banham-se de roupa e fazem poses para fotos. Atrás da praia, hotéis, restaurantes e lojas estão amontoadas.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Taxis amarelos e ônibus coloridos


Como em São Paulo, o metro de Kolkata tem os chãos bem mais limpos que a rua. Mas não como na capital paulista, o bilhete é barato: 4 rúpias, o que deve dar uns 1,5 centavos de reais. Longe do metro, caminhei pela esplanada, que me lembrou Brasília, de verdade. Entre grandes campos de grama seca e árvores, o forte William, que era coração militar da Inglaterra na India e hoje é o quartel general do exército indiano. 


Nas avenidas largas cortam a esplanada, grupos de taxis amarelos Ambassador e os ônibus coloridos Ashok Leylam e Tata. No parque Maidan, fontes, lagos e chafarizes, rodeados por vendedores. Nos gramados, jovens treinam críquete com suas roupas brancas.


Comi pelas ruas. Guardei por algum tempo os copos de chai feitos de barro, descartáveis. Me empanturrei de samosa. Kachori, noodles, Paratha, frutas, cereiais, pequenos salgados. A quantidade de comida nas ruas é impressionante. Uma do lado da outra, com seus fogões toscos de metal e carvão, as lonas coloridas, as panelas amassadas. fiquei pensando no quanto perdem os viajantes que seguem as regras dos guias de viagens. A mensagem é clara. Se está escrito guia, não é para segui-lo.


Enquanto bebiamos e fumávamos em um dos pátios do Paragon, um filhote de gato amarelo brincava com um camundongo, que desesperado, corria de um lado para o outro, trombando nos nossos pés e se escondendo nos vasos de plantas murchas. Em um pequeno vaso na mureta da sacada, uma muda de erva ganhava força. Na hora de dormir, o barulho tentador da metrópole, com seus berros, risadas, música e buzinas em dezenas de planos e tons.

Sacrifícios e jardins ingleses


Em frente ao Victoria Memorial, palácio com uma leve aparência de Congresso Norte Americano, ao lado do Maidan Parque, com jardim e lagos ao melhor estilo europeu, uma escultura de Aurobindo, um dos heróis da independência. É a provocação indiana, com sutileza.


Dentro do memorial, fotos, objetos, documentos, livros, pinturas e outros artefatos sobre o período inglês e a reconquista da independência indiana. As armas expostas fazem lembrar que não foi um processo tranquilo como parece no discurso da rainha Vitória, nas paredes do prédio.

Nas paredes da Catedral de Saint Paul's (sim, eles fizeram uma aqui também), lápides recordam colonizadores mortos am terra indiana. Revoltas, emboscadas e outros tipos de mortes violentas estão descritas abaixo dos nomes. A Saint Paul de Kolkata é gratuita e possui um esquema engenhoso de ventiladores, que por meio de canos, descem pelo teto até chegar próximo às cabeças dos fieis.

Não visitava um planetário desde a época de escola. E depois de conhecer o Birla planetarium, em Kolkata, pensei se as escolas ainda levam os alunos para esses passeios. É fascinante. E acho que dependendo da pessoa, pode ser desesperador. Outro motivo para conhecer.

O Birla tem sessões de meia hora em inglês, Hindi e Bengali, o dialeto falado na região. Um busto de Yuri Gagarin em frente ao planetário, em funcionamento desde 1962, lembra quem ganhou a corrida. A máquina de lentes e luzes usada foi feita na Alemanha, pela Carl and Zeiss.

Kolkata é a cidade mais ocidental da India, segundo quem conhece bem. Mas mesmo para um novato é fácil perceber isso. Além da influência inglesa, existe uma forte presença muçulmana, visível no comércio e claro, nos rosto das pessoas: homens com suas longas barbas e seus turbantes ou tarbushs e mulheres com véus e seus rostos escondidos.

No Millenium Park, um grupo de pequenas praças tristes em frente ao rio Hooghly, casais namoram sentados ao pé das árvores. Outros, nos bancos de frente ao rio. Muitos usam guarda-chuvas para evitar o sol e a curiosidade alheia. Poucos se beijam e quando o fazem, atraem olhares. Meninas e meninos andam em grupos separados. Existe pouca interação. Na India, amigos andam de mãos dadas e mulheres evitam olho no olho.

Em Kalinghat, o templo de Kali é uma das principais atrações. Sendo assim, um enorme comércio foi instalado ao redor e também dentro do templo. O bairro em volta é pobre e colorido. Ali está a casa onde morou Madre Tereza.

Kali é a deusa da morte e da destruição. Em um dos locais, animais, principalmente cabritos, são sacrificados. O sangue escorre pelo chão. Um jovem que nega ser guia, me guia pelo local. Filas se formam para pedir e agradecer à deusa. Sinos badalam para Kali ouvir. O guia dá duas voltas no mesmo local e repete as mesmas frases decoradas. Um grupo de moradores de rua é alimentado ao lado. Prefiro ir embora e o guia só aceita meu dinheiro longe do templo, na hipocrisia religiosa. E aceita de cara amarrada. Queria mais.


Duas ruas depois do templo, ser turista é uma atração. As pessoas param para me olhar fotografando. Um homem se aproxima e me explica o cartaz para onde a lente aponta. É um chamado para uma manifestação do partido comunista da India, que, segundo ele, é o maior do país. Explica que manifestações como essa podem ter 400 mil pessoas.

Bem menor, foi a manifestação que vi em uma das ruas do centro, numa espécie de 25 de março com Santa Ifigênia. Algumas dezenas de homens gritavam palavras de protesto (em Hindi), empunhavam bandeiras do país e um deles, com os cabelos pintados de acajur, era celebrado a cada frase. 




A polícia aguardava. Já tinham delimitado o espaço. Se avançassem dali...
Me aproximei para fotografar e logo um dos manifestantes se empolgou e esticou uma faixa na minha direção. Protestavam contra a violência policial.

Um minuto depois, outro quis saber se eu era da imprensa e quando disse que não, o tempo fechou e outros gritavam para eu parar de fotografar.
No caminho, reparei que as bicicletas rickshaws não são populares. Em seu lugar, homens carregam pessoas com suas pernas, sem ajuda de rodas ou motor. Kolkata também possui train, o bonde moderno.

Lembre-se...


Lembre-se: Você escolheu essa vida...e esse quarto. Está escrito na parede do quarto no hotel Paragon, onde me instalei, na rua Stuart Lane, em Kolkata, que tinha um nome mais bonito antes, Calcutá.


É um 2m x 1,5m, com a pintura verde claro que descasca pela umidade e mais centenas de mensagens e desenhos de viajantes que estiveram por aqui. Muita coisa oriental, com seus alfabetos de “riscos”e rostos e corpos na linha mangá.

E o hotel é quase todo assim. Descascado e úmido. As pombas dominam as dobras e a parapeitos. Entulhos, roupas, garrafas de plástico e de vidro, restos de propaganda de refrigerante. São dois andares. Um quarto atrás do outro. O meu é o 21 e fica perto da entrada, onde sempre fica um velho homem, que lê jornal e conserta fusíveis e fala pouco.

Europeus e asiáticos são a maioria. Uma família, com seus dois filhos pequenos está há alguns dias. Eles parecem não sair do hotel.
Aproveito o varal e lavo algumas roupas, sempre depois do banho. No meio da tarde já estão secas.

Em um dos pátios internos do Paragon conheci uma turma. No primeiro dia, Peter, um húngaro que trabalhava com mercado financeiro e largou para viajar pela Ásia. Saímos para fotografar o centro. Na verdade, caminhamos até o Indian Coffee House, um café no primeiro andar de um prédio na rua próxima à Universidade de Calcutá onde centenas de barracas vendem livros. Bandeiras com um tigre e a foice o martelo enfeitam a região. Os comunistas governaram o estado de West Bengal por mais de 30 anos. Hoje fazem oposição.


O Indian Coffe House é o lugar onde intelectuais e revolucionários indianos se encontravam. É bem cheio e possui alguns quadros e uma foto grande de Rabindranath Tagore, pensador indiano (Bengali), ganhador do nobel de literatura. O café é ruim e barato e os garçons, com uniformes engraçados, são mal humorados.


Antes, já havia caminhado pelas redondezas e visto o Great Eastern Hotel, aos pedaços. O lugar foi palco das recepções de estadistas e celebridades no início e meados do século passado. Li que Mark Twain e Kipling ficaram lá.
Kolkata é gigante. São mais de 20 milhões de pessoas. E cidades grandes, geralmente, não têm tempo para te acolher bem. Mas depois, logo depois, se rolar um esforço, tornam-se instigantes e atraentes.

As linhas são inglesas. Os prédios, palácios, as largas ruas, as praças e parques. Calcutá foi a capital das Indias britânicas. Foi o lugar onde os colonizadores escolheram para comandar. E uma das atividades é passear e ver como os indianos desvirtuaram toda essa ordem britânica. Nas grandes e largas avenidas, buzinas e mais buzinas, carros e ônibus acelerando em freando bruscamente, dúzias de policiais tranquilos, vestidos de branco e regendo a bagunça. Os palácios com suas belezas esquecidas, tornam-se aos poucos, base para raízes e arbustos, que formam novos tipos de atração.

É isso que faz tantos europeus, ou outros cidadãos de países ricos entrarem numas, na India. Após nascer e viver em um lugar cheio de regras e silêncio, ver de perto o barulho e o despreendimento com certas convenções é desconcertante e prazeroso. Uma experiência libertadora, de alguns meses, está certo. Mas tem gente que não sai mais daqui.

Conheci um deles na volta ao hotel. Um tipo riponga europeu, que vive há 27 anos na India. Os anos não lhe tiraram a arrogância europeia. Em poucos minutos ele quase estragou meu barato, enquanto fumava o famoso Malana Cream num Chillum, o pipe usado pelos Sadhus, os homens santos, oferecido por um indiano que vive na França, e sua namorada japonesa. Às tardes, um coroa com cara de escocês e cabelos e barbas longas, toca violino.

Gaya


Sai de Bodhgaya pela manhã. Em um dos rickshaws malandros, dividi com uma mulher. Ela foi uma das únicas indianas a puxar papo comigo, tirando as comerciantes. Mas ela só falava hindi. Respondi tudo com yes e sorrisos. 

Cheguei em Gaya, que é feia e barulhenta. Para piorar, era segunda-feira e parecia que todos estavam de mau humor por isso. Entrei no clima e sobrou pro sujeito que tentou passar na minha frente na fila da estação.

De trem estava complicado. Fui atrás de um ônibus. Encontrei e achei que tinha feito um bom negócio, pagando 480 rúpias por uma cabine dupla. Horas depois, quando cheguei no ônibus, descobri que havia comprado só dois acentos e que dois ainda eram mirrados pra mim e a mochila.

Passei o tempo num cyber café caro e cheio de moleque falando alto. No almoço, um restaurante que usava o cardápio de um hotel que não vi em lugar algum. Era a única parte em inglês. Tudo em hindi. Fui no mix de vegetais, arroz e chapati. Melhor não inventar quando se vai pegar um ônibus sem banheiro por 12h. O dono falava alto, mas não dava para perceber se era bronca ou jeito. O local possui umas vinte mesas, algumas todas em madeira, outras com tampo de pedra. Bancos ou cadeiras de plástico. As paredes, metade marrom, metade creme. Um cara cozinha num fogão instalado na frente do restaurante, já na calçada. Mas acho que não faz parte do staff. Ventiladores velhos e sujos, desligados, no teto. As pessoas comem rápido, com as mãos. E mosquitos me enchendo o saco.

Acabo de me alimentar e ainda fico enrolando com o livro. Está quente e nao tenho para onde ir com a mala de 20kg. Decido ir para outro cyber café pegar informações sobre Kolkata.

Às 17h, subi no ônibus e sentei ao lado da mochila. Poltronas 13 e 14. Escutava Fussing and Fighting. Acenei para Gaya e dizendo que não sentiria saudade.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Tarde no templo

Último dia em Bodhgaya. Fui para o Mahabodhi temple e fiquei lá por umas horas, no meio da tarde. Caminhei pelo jardim, tirei as meias encardidas e vi os budistas orando em pleno domingo. O templo cheio. Em pé, sentados ou andando pelo jardim, entoavam mantras, com os malas, aqueles cordões de com 108 sementes, ou com o Prayer Wheel,  que giram enquanto... "Om Mani Padme Hum".

Sentei de pernas cruzadas em um dos lados do jardim, em um lugar cimentado. Em tentativa de imitar os monges ali por perto. Logo apareceu um grupo, de umas 50, 60 pessoas, todas de branco. Sentaram-se ao meu redor. Budistas do Sri Lanka. Uma mulher perguntou minha origem. - Brasil, respondi. Ela emendou: "Então você fala alemão?"

A tarde caiu e o grupo repetia os mantras declamados por um líder, de microfone na mão e igualmente sentado. Um som meio calmante, que ornava com a vista do templo, iluminado pelos raios laranjas do sol, repleto de periquitos, pombas e outras aves nas suas dobras, cantos e beiradas. Alguns esquilos de cauda listrada, o bicho mas rápido que já vi, também se aventuravam nas alturas. Dois cachorros encostaram do meu lado.

Os monges ganharam alguns trocados, distribuídos por outro monge e uma mulher, com maços de notas de 10 rúpias nas mãos. Os monges distribuíram sacos com alimentos para famílias e quatro meninas esticavam a mão e pediam frutas à uma mulher que devia ser monge também.  Asiática, com o cabelo raspado. Paciente, ofereceu as frutas e ainda recolheu as cascas e restos já que o quarteto comia ali mesmo. A monge pediu silêncio e as meninas foram embora sem agradecer.

Na India, quando o papo é com os turistas laranja é orange. mexirica também. Alguns monges, sentados de pernas cruzadas, parecem estar em transe, enquanto balançam levemente seus corpos para os lados. Mesmo quando há uma turma conversando por perto, ou cachorros latindo e fazendo arruaça.
Qual a sensação? Barato bom?

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Bodhgaya



A placa diz que foi em Bodhgaya, no século 6 AC, que Sidarta Gautama tornou-se Buda. A cidade é considerada o principal ponto de peregrinação budista do mundo.

É assim que a pequena cidade vive hoje, do turismo religioso. Monasterios budistas de vários países estão sediados na região, ao sul do estado de Bihar. O principal e maior templo em sua homenagem, o Mahabodhi, construído no século 6 e passou por uma série de reformas ao longo da história. Até os ingleses meteram a mão ali.


Contornando o Mahabodhi, um caminho de mármore branco, onde as pessoas dão voltas enquanto oram. O chão é mantido limpo. Enquanto estive lá, as pessoas não deixavam nem uma folha seca no piso. Pegavam, como se fosse um presente. Acho que talvez seja.

Ao redor do templo, um grande jardim, repleto de pequenos templos e grandes árvores. Nos espaços entre eles, mesas de madeira próximas ao solo, apoiadas por alguns tijolos. Nelas, budistas praticavam um tipo de oração misturada com exercício. Uma espécie de flexão de braços. Todas as mesas, quando deixam de ser usadas, são cobertas por uma lona, com cuidado. E cachorros, muitos. Um deles, filhote, se aninhou em minhas pernas enquanto observava, sentado, o Mahabodhi. Em alguns pontos do jardim, placas indicam locais onde Buda realizou períodos de meditação.


Por dentro, a construção é simples. Um altar com um escultura de Buda, com os cabelos azuis, os olhos brilhantes e semi cerrados e uma roupa laranja, também brilhosa. Alguns sentados no chão, rezando. A maioria passa rápido, com uma pequena prece, alguns sinais e oferendas exibidas, mas colocadas do lado de fora.

Embaixo de uma árvore, atrás do templo, diante do local onde teria ocorrido a iluminação, um velho monge conversa, microfone na mão, com um grupo. Todos sentados no chão. O papo parece ser bom, pois risadas não faltam.
Pelas ruas, monges e budistas e parentes de monges, em visita, se misturam à população, a maioria com feições indianas e nepalesas (tibetanas...).

 Mas o turismo interno é ainda maior. Ônibus não param de chegar e buscar vagas nos cantos e terrenos enlameados da cidade. O comércio é aquecido. Dezenas de barracas estão enfileiradas pela rua principal: artigos religisos, estátuas, esculturas, roupas, bolsas, cobertores, panos, almofadas para meditação, objetos para a casa, pequenos eltrodomésticos, comida, brinquedos, bijuterias, facas e até uma banca de mágicas.


No murado parque Jay Prakash, um jardim que possui mais cara de India e menos Inglaterra. Algumas roseiras estão ali, cercadas, mas a maior parte do terreno é composta por grandes e médias árvores, com bancos onde casais estão menos tímidos e mais protegidos do público e das regras. Cachorros se espreguiçam ao sol e esquilos ameaçam chegar perto e depois somem em alta velocidade.


No monasterio tibetano, moleques desatentos tinham aula com um monge. Em se incomodar, ele continuava as orações, com o auxilio de um dos meninos, que batia no tambor, vez ou outra. Eu atrapalhava mais um pouco, com os clicks da máquina. Muitas cores e desenhos sobre a história de Buda, antes e depois da iluminação. Uma estátua dourada e adornos de flor nos pilares e nas paredes. Quando sai, dois meninos andavam de bicicleta, enquanto um cachorro com a cara pintada me pedia carinho e o seu amigo, filhotão, mordia minha canela.





Em um outro templo, um grupo ganhava o almoço. Adultos, idosos e crianças sentadas no chão. Eles comem em uma espécie de folha de árvore grande e um pouco seca. A comida é farta. Qualquer um pode chegar e comer. 

Uma bagunça se forma na minha frente quando começo a fotografar umas crianças. Todas aparecem e querem aparecer ainda mais. Pulam na frente da máquina e comemoram quando se veem na tela. Também fotografo um senhor, que anota seu endereço para que eu mande as fotos. Pede meu e-mail para quando puder sentar na frente do computador, me escrever. Jovens se aproximam para tentar levar uma grana como guias. Ele os afasta e conversamos até que a fome bate e encosto num restaurante no subsolo de um prédio. Dal de espinafre, omelete e arroz. Um suco engarrafado de manga pela Coca Cola, Maaza.