terça-feira, 5 de março de 2013

No trem


Quase três horas da manhã. Já cochilei na sala de espera e agora encosto minhas malas no chão cuspido da estação de Mhugal Sarai, uns quase 30 quilometros de Varanasi. O trem está marcado para essa hora, essa plataforma, mas não aparece. Resmungo e olho para duas plataformas à frente. Ele está lá. E falta muito pouco para partir. Corro igual um maluco, junto com mais um trio repleto de caixas de papelão. Atravesso a passarela e ainda na corrida, pergunto para um moleque onde está o vagão B1.

Estou na classe AC 3 (ar condicionado 3a classe) pela primeira vez. Tudo escuro e silencioso, as cortinas estão fechadas e tenho que ir abrindo uma a uma para achar minha cama. Torço por uma cabine ainda vazia, mas a minha está cheia. Só a cama vaga. Divido ela com a mochila e durmo. Do lado, um grandalhão ronca vertiginosamente. Lembro do Berna em Londres. Seriam 24h de viagem.

Acordo 10h com Rainbow Country. Na sequência, Soul Rebel, Sun is Shining, Revolution e Hammer. O dia começava bem, mas fiquei sem saber de onde vinha a música. Entre uma espreguiçada e outra, reparava nos meus compenheiros de viagem. A impressão era de serem quatro irmãos, dois homens, que pareciam Sikhis, com um pano preto amarrado na cabeça, e duas meninas. Um deles carregava um punhal na cintura, com cabo de marfim.

O outro integrante estava na cama alta, do meu lado. Trabalha na Indian Railways, é responsável por uma pequena estação em Karnatka, soube quando já estava de pé e com cama perdida. Durante o dia, as camas debaixo viram bancos para todos na cabine. As camas do meio são fechadas. Só as de cima sobrevivem. O lugar era apertado para tanta gente e mala. Cada movimento ou ida ao banheiro exigiam planejamentos, perguntas e respostas. Foi aí que pedi ao cara da cama de cima para trocarmos de lugar. Até agora não sei se ele aceitou só por educação com forasteiros, ou não. Mas fui para cama de cima feliz da vida.

Peguei algumas frutas e um croissant que havia comprado em Varanasi e fui comer em outro lugar, perto dos cheirosos banheiros, em uma das paradas.
Ele voltou a se mexer e logo ganhou velocidade. Abri a porta do trem, o vento logo soprou forte na minha cara. O dia era bonito, de sol e paisagens rurais. Sentei na escada, coloquei os pés para fora, como os vagabundos faziam nos vagões de carga.

 O trem passou por uma ponte de ferro. Ouvi um longo rangido, a água verde do rio logo abaixo dos meus tênis. Voltamos para terra, os vilarejos de casas de barro, pequenos templos em meio às plantações, os morros verdes e amarelados ao fundo, meio esfumaçados pela poeira, alguns riacos de leito seco. O trem deslizava por junções de trilhos, a fumaça preta com cheiro de curry e a buzina grave, comprida. Estava a caminho de Pune.

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