Quase
três horas da manhã. Já cochilei na sala de espera e agora encosto
minhas malas no chão cuspido da estação de Mhugal Sarai, uns quase
30 quilometros de Varanasi. O trem está marcado para essa hora, essa
plataforma, mas não aparece. Resmungo e olho para duas plataformas à
frente. Ele está lá. E falta muito pouco para partir. Corro igual
um maluco, junto com mais um trio repleto de caixas de papelão.
Atravesso a passarela e ainda na corrida, pergunto para um moleque
onde está o vagão B1.
Estou
na classe AC 3 (ar condicionado 3a classe) pela primeira vez. Tudo
escuro e silencioso, as cortinas estão fechadas e tenho que ir
abrindo uma a uma para achar minha cama. Torço por uma cabine ainda
vazia, mas a minha está cheia. Só a cama vaga. Divido ela com a
mochila e durmo. Do lado, um grandalhão ronca vertiginosamente.
Lembro do Berna em Londres. Seriam 24h de viagem.
Acordo
10h com Rainbow Country. Na sequência, Soul Rebel, Sun is Shining,
Revolution e Hammer. O dia começava bem, mas fiquei sem saber de
onde vinha a música. Entre uma espreguiçada e outra, reparava nos
meus compenheiros de viagem. A impressão era de serem quatro irmãos,
dois homens, que pareciam Sikhis, com um pano preto amarrado na
cabeça, e duas meninas. Um deles carregava um punhal na cintura, com
cabo de marfim.
O
outro integrante estava na cama alta, do meu lado. Trabalha na Indian
Railways, é responsável por uma pequena estação em Karnatka,
soube quando já estava de pé e com cama perdida. Durante o dia, as
camas debaixo viram bancos para todos na cabine. As camas do meio são
fechadas. Só as de cima sobrevivem. O lugar era apertado para tanta
gente e mala. Cada movimento ou ida ao banheiro exigiam
planejamentos, perguntas e respostas. Foi aí que pedi ao cara da
cama de cima para trocarmos de lugar. Até agora não sei se ele
aceitou só por educação com forasteiros, ou não. Mas fui para
cama de cima feliz da vida.
Peguei
algumas frutas e um croissant que havia comprado em Varanasi e fui
comer em outro lugar, perto dos cheirosos banheiros, em uma das
paradas.
Ele
voltou a se mexer e logo ganhou velocidade. Abri a porta do trem, o
vento logo soprou forte na minha cara. O dia era bonito, de sol e
paisagens rurais. Sentei na escada, coloquei os pés para fora, como
os vagabundos faziam nos vagões de carga.
O trem passou por uma
ponte de ferro. Ouvi um longo rangido, a água verde do rio logo
abaixo dos meus tênis. Voltamos para terra, os vilarejos de casas de
barro, pequenos templos em meio às plantações, os morros verdes e
amarelados ao fundo, meio esfumaçados pela poeira, alguns riacos de
leito seco. O trem deslizava por junções de trilhos, a fumaça
preta com cheiro de curry e a buzina grave, comprida. Estava a caminho de Pune.
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