Ainda
não havia passado das 9h30, mas o sol já era forte em Varanasi. Sai
da estação e peguei um rickshaw. Ansioso, parei numa rua de
comércio intenso, a Bengali Tola, a última nas proximidades do
Ganges onde automóveis podem trafegar. Me aproximava da área
central de Varanasi, a mais antiga cidade da India.
Adentrei
às vielas e corredores rapidamente, desviando meu corpo de quase 120
kg (eu e mochilas) de pessoas, cachorros, vacas, bicicletas e motos.
Ainda firme, tentava reparar nas construções, no jeito dos
moradores. A cada viela mais próxima do rio parecia que as casas
tinham camadas de poeira cada vez mais maiores nas paredes. A chamada
“cidade viva mais antiga do mundo” borbulha com o Khumb Mela, o
festival religioso que já tinha visto em Allahabad, cerca de um mês
antes.

Tinha
o nome de três hostels e fui procurá-los. Cheguei a uma das
referências que tinha, o Shiva Café, ponto de encontro dos
estrangeiros. Enfiei a cabeça pela janela e perguntei pelos hostels.
Os dois primeiros estavam lotados para quem oferecia menos de quatro
dígitos. A terceira opção, o folclórico Moona's, mas também
estava cheio. “Você pode ficar no chão do salão lá de cima,
custa 50 rúpias por dia”, disse um jovem hippie canadense com um
tambor na mão, arranhando um português. Mas sem saco de dormir me
desanimou e voltei para as ruas.
As
horas passaram e conheci uns 10 quartos, na maior parte do tempo após
ser levado por algum “funcionário de hotel”. Mas todos com
preços além do orçamento. O cansaço venceu e aceitei o quarto
mais caro da viagem.
Apesar
do preço e das escadas, o lugar tinha o ganges na janela, que
aparecia graças a uma fenda entre dois prédios em frente. Melhorou
na manhã seguinte, quando o sol levantou exatamente no local,
fazendo o rio brilhar bem na minha cara.
Pela
viela principal, que entendi chamar-se CT Road, lojas de de discos e
de instrumentos musicais indianos seduzem os turistas, que aproveitam
a estadia para aprender algumas notas de cítaras, sarods. O
instrumento mais procurado é a tabla, tambor típico da música
local. Conheci algumas pessoas que fazem aulas todas as vezes que
passam por Varanasi.

Mas
é a religião que chacoalha a cidade. Na entrada do principal Ghat,
à beira do Ganges, o comércio da religião é o que domina.
Centenas de bancas, debruçadas nas escadarias, vendem kits de
oferendas, imagens e outros souvenires de fé. Em toscas camas de
madeira, homens oferecem massagens. Uma tropa pela beira do rio em
todos os ghats vende passeios de barco. As crianças jogam críquete,
outras trabalham duro, uma fila de mendigos esticam as mãos. De
cócoras, grupos conversam enquanto seus búfalos e vacas banham-se
ou são fotografas pelos turistas. Nagababas, os sadhus que vivem sem roupa, acampam em frente am ganges. Fumam charas e ganham dinheiro posando para os turistas. A cidade vive e morre no Ganges.

Perto
dali, nos “burning ghats”, rituais de cremação são verdadeiras
atrações e chama a atenção de locais e estrangeiros. Embrulhados
em papel colorido e brilhante, os corpos chegam carregados por grupos
de homens, que cantam, alguns batem palmas. Funcionários retiram
troncos de enormes pilhas dispostas nas escadarias. A fumaça das
fogueiras já escureceu as parades dos prédios em volta. As
cremações não param. São cerca de dez fogueiras acesas ao mesmo
tempo. Uma apaga e logo o funcionário, usando um pedaço de pau,
vasculha as cinzas atrás de possíveis bens que o fogo não levou. E
então, uma nova cama de troncos é montada para que um outro ritual
comece. As fotografias são proibidas. Mas existem possibilidades no
mercado, se você quiser um close. Barcos encostam para acompanhar as
cenas. O cheiro da fumaça é estranho. Fácil de enjoar. Mas a banca
de chai bem no meio do nevoeiro é um sucesso.