sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Lembre-se...


Lembre-se: Você escolheu essa vida...e esse quarto. Está escrito na parede do quarto no hotel Paragon, onde me instalei, na rua Stuart Lane, em Kolkata, que tinha um nome mais bonito antes, Calcutá.


É um 2m x 1,5m, com a pintura verde claro que descasca pela umidade e mais centenas de mensagens e desenhos de viajantes que estiveram por aqui. Muita coisa oriental, com seus alfabetos de “riscos”e rostos e corpos na linha mangá.

E o hotel é quase todo assim. Descascado e úmido. As pombas dominam as dobras e a parapeitos. Entulhos, roupas, garrafas de plástico e de vidro, restos de propaganda de refrigerante. São dois andares. Um quarto atrás do outro. O meu é o 21 e fica perto da entrada, onde sempre fica um velho homem, que lê jornal e conserta fusíveis e fala pouco.

Europeus e asiáticos são a maioria. Uma família, com seus dois filhos pequenos está há alguns dias. Eles parecem não sair do hotel.
Aproveito o varal e lavo algumas roupas, sempre depois do banho. No meio da tarde já estão secas.

Em um dos pátios internos do Paragon conheci uma turma. No primeiro dia, Peter, um húngaro que trabalhava com mercado financeiro e largou para viajar pela Ásia. Saímos para fotografar o centro. Na verdade, caminhamos até o Indian Coffee House, um café no primeiro andar de um prédio na rua próxima à Universidade de Calcutá onde centenas de barracas vendem livros. Bandeiras com um tigre e a foice o martelo enfeitam a região. Os comunistas governaram o estado de West Bengal por mais de 30 anos. Hoje fazem oposição.


O Indian Coffe House é o lugar onde intelectuais e revolucionários indianos se encontravam. É bem cheio e possui alguns quadros e uma foto grande de Rabindranath Tagore, pensador indiano (Bengali), ganhador do nobel de literatura. O café é ruim e barato e os garçons, com uniformes engraçados, são mal humorados.


Antes, já havia caminhado pelas redondezas e visto o Great Eastern Hotel, aos pedaços. O lugar foi palco das recepções de estadistas e celebridades no início e meados do século passado. Li que Mark Twain e Kipling ficaram lá.
Kolkata é gigante. São mais de 20 milhões de pessoas. E cidades grandes, geralmente, não têm tempo para te acolher bem. Mas depois, logo depois, se rolar um esforço, tornam-se instigantes e atraentes.

As linhas são inglesas. Os prédios, palácios, as largas ruas, as praças e parques. Calcutá foi a capital das Indias britânicas. Foi o lugar onde os colonizadores escolheram para comandar. E uma das atividades é passear e ver como os indianos desvirtuaram toda essa ordem britânica. Nas grandes e largas avenidas, buzinas e mais buzinas, carros e ônibus acelerando em freando bruscamente, dúzias de policiais tranquilos, vestidos de branco e regendo a bagunça. Os palácios com suas belezas esquecidas, tornam-se aos poucos, base para raízes e arbustos, que formam novos tipos de atração.

É isso que faz tantos europeus, ou outros cidadãos de países ricos entrarem numas, na India. Após nascer e viver em um lugar cheio de regras e silêncio, ver de perto o barulho e o despreendimento com certas convenções é desconcertante e prazeroso. Uma experiência libertadora, de alguns meses, está certo. Mas tem gente que não sai mais daqui.

Conheci um deles na volta ao hotel. Um tipo riponga europeu, que vive há 27 anos na India. Os anos não lhe tiraram a arrogância europeia. Em poucos minutos ele quase estragou meu barato, enquanto fumava o famoso Malana Cream num Chillum, o pipe usado pelos Sadhus, os homens santos, oferecido por um indiano que vive na França, e sua namorada japonesa. Às tardes, um coroa com cara de escocês e cabelos e barbas longas, toca violino.

Um comentário:

Paola disse...

...não seria apenas uma troca de convenções?