segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

A jornada começa na Alemanha


O dia tinha sido calmamente planejado. Mas como havia de ser, cheguei na rodoviária de Londres, em Victoria, a passos largos e olhos no relógio. Ainda comprei uma água e barras de cereais antes de ouvir do motorista, quando faltavam 10 minutos pro ônibus partir. “Precisa fazer o check in, com o bilhete da internet não funciona”. Boa. Corri pro check in e fui o último a me acomodar.

No plano, a ideia era chegar cedo e descolar o lugar menos apertado para 1m93. Mas as opções eram exíguas: ao lado de um velhinho fumante dizendo que estava doente, ainda duvido dele, ou de um jovem um pouco muito acima do peso. Preferi evitar a  gripe e fomos todos embora da ilha.

Entre tentativas de cochilos e brigas territoriais com o rapaz, olhava pela janela e tentava fazer algum tipo de balanço dos sensacionais seis meses que fiquei na Inglaterra. Melhor, dos nove meses que fiquei na Europa, contando os agradabilissimos três meses em Viareggio, na Itália. Mas acho melhor tomar vergonha na cara e escrever. O balanço fica pra depois.

Ganhamos a estrada e eu já estava há 30 segundos resmungando em pensamento do desconforto no ônibus quando me lembrei que vou para a India e que deveria colocar um sorriso na boca e até dividir o doritos com o gordinho que dormia com a cabeça tamborilando na janela.

Ao chegar no eurotunnel, a viagem ganhou contornos de ficção científica. Pelo menos pra mim. Logo após passar pela sempre agradável imigração, entramos num vagão imenso, que cabiam muitos ônibus e carros e caminhões. Algumas portas de vidro se fecharam, dividindo o vagão ainda mais por dentro.

 Em poucos minutos, o calor aumentou e a pressão também. Daquelas que tampam a orelha. Enquanto a turma teen da Belgica falava freneticamente, assim como o quarteto japonês, a família do meu vizinho gordinho, atrás de mim, roncava a plenos pulmões. Foi o único momento em que me esqueci que estava à mais de 100 metros abaixo do canal da Mancha para lembrar das minhas adoráveis noites como apreciador de roncos em Londres (pauta pra outros textos).

Enfim, na superfície francesa. Seguimos viagem. Mais acostumado ao espaço no banco e por incrível que pareça, achando que compreendia os japoneses, a turma belga com seu francês exageradamente belga e a família do meu vizinho, que admito não saber a origem, tentei dormir para não ter que puxar assunto.

Foi em Lille que minha memória lembra que paramos. Segundo o motorista, estavamos muito adiantados. Então tínhamos que estacionar por um tempo para não tumultuar as coisas em Bruxelas, destino do ônibus. Aproveitei para dar uma esticada e conhecer pelo menos um quarteirão da cidade do time que havia sido campeão francês há uma ou duas temporadas atrás e que tinha me dado algum trabalho também no video game. Pergunta pra alguém em Lille o que ele acha de Gervinho. Ou pergunta de Túlio de Mello pra eles. Só com moleton que estava, não consegui completar a volta no quarteirão. Voltei pro ônibus e logo ele partiu.

O ônibus chegou a Bruxelas no início da manhã do dia 6. Paramos em uma rua encoberta por altos prédios modernos, como esses de bancos, cheios de feiúra e vidros espelhados. Peguei as mochilas e caminhei até o guichê da companhia. Estava muito frio. Muito. O funcionário disse que o ônibus para Dusseldorf ainda não havia chegado. Resolvi averiguar a área em busca de um local fechado com aquecimento. Subi as escadarias no fim do escritório da Eurolines e cheguei em um saguão estilo shopping decadente. Um Starbucks estava aberto e era onde a turma dos ônibus se aquecia. Fui atrás de um banheiro. Tudo fechado. Alguns mendigos dormiam. Outros, até de cadeira elétrica de rodas, os furtavam e tentavam uns trocados com o pessoal que esperava transporte. Era um shopping e também uma estação rodoviária. Não reparei se tinham trens. Mas não tinham banheiros abertos mesmo.

Às 7h voltei pra rua e encontrei o ônibus. Esperei alguns minutos do lado de fora, pois o motorista não estava. Ele já estava um pouco cheio. Pela janela via algumas meninas bonitas e outras pessoas com a cara amarrada ou dormindo. Ao entrar no ônibus, fui pro fundão e sentei-me ao lado de uma senhora, que emburrada, tirou suas bolsas do banco. Agora tinha alguns centímetros a mais, podia descer o banco. Maravilha. Apaguei.

A primeira parada, já com o dia claro, não me lembro o nome da cidade. Mas lembro que acordei com a mulher ao meu lado se estapeando. Batia com força na cara, resmungava algumas coisas e girava o pescoço como ninguém. Muita elasticidade. E se batia e girava a cabeça. Eu olhava de rabo de olho. Parecia um ritual, mas era a forma de acordar e ganhar as ruas dessa cidade sem nome. Pediu licença. Pegou suas bolsas e saiu. Boa parte do ônibus também ficou nesse lugar. Fiquei com os dois bancos. Maravilha. Apaguei de novo. Dessa vez acordei em Maastricht, que ainda é Bélgica. Desci do ônibus para confirnar com o motorista. Voltei para meu posto e agora tentava compreender o que o trio do fundão, composto por duas mulheres e um jovem. Pareciam ciganos, mãe e filhos. A imigração subiu no meio de uma grande rua, não sei se era estrada. Sempre calorosa: “Onde você está indo? Vai para India a turismo ou para trabalhar? Tem certeza?”.

Passaportes averiguados, toca para Dusseldorf, motô!!!! Era o que poderia ter gritado ao motorista gente fina, mas deixei quieto e voltei aos meus sonhos no conforto do banco duplo.

Era um pouco mais de 11h da manhã quando entramos em Dusseldor, fui despertando, olhando para os prédios, reparando no bonde de linhas arredondadas que corre ao lado dos carros. Descemos ao lado da Hauptbanhof, que é a estação ferroviária. Encostei as malas na parede. Me alonguei e mandei um jóia pro motora. Amarrei a mochila cinza nas costas, a menor no peito e fui para a estação atrás de uma boa informação: o endereço do hostel, que não havia anotado previamente. Após um ligeiro ruído de comunicação, a funcionária educada me escreveu o nome da rua e o ônibus que deveria pegar. Saí da Hauptbanhof falando sozinho, aquela auto chamada na chincha pra acordar e perceber que está viajando sozinho. 

Fui interrompido por uma jovem que mancava e queria grana. Não precisei chegar na parte final da frase “I dont speak ger...”e já escutei um thank you muito mais pra fuck you. Comprei o bilhete em uma máquina na rua. Ao achar o ponto e entender como funciona o itinerário do transporte de Dusseldorf, pouco esperei para entrar no autobus. Em cinco minutos já descia e ai começava a meia hora de procura pelo hostel. Escolhi todas a opções erradas antes de entrar do lado certo da rua e achar o AO hostel. 

Com apenas 10 euros, fui atrás de um caixa para pagar o restante da reserva. Depois de perceber que não lembrava mais o número do cartão, contei com a paciência de minha mãe, que me lembrou. Salve a internet. Salve minha mãe.

Joguei as coisas no quarto. Tomei um banho, o restante de água da garrafa de Londres e fui desvendar Dusseldorf, primeira etapa do caminho das Indias, agora sob minha autoria.

Um comentário:

beta disse...

Uau!!!! Começou!!! Curiosa para acompanhar a aventura. Boa sorte! Beijos.